Nos primórdios da organização das sociedades, as famílias eram consideradas apenas em seu aspecto consanguíneo. No entanto, a sociedade evoluiu e os arranjos familiares também, resultando na redefinição do conceito de família, onde os vínculos afetivos passaram a sobrepor os vínculos genéticos.
Ser pai vai muito além de contribuir com material genético. Ser pai, ou ser mãe, é uma escolha – e muitas vezes essa escolha vem de alguém que não tem nenhum laço genético conosco.
Por exemplo, é muito comum termos relatos de pessoas que foram criadas como filhos por sua madrasta ou seu padrasto e que consideram e reconhecem estes como seus verdadeiros pais. Pois construíram uma relação baseada em afeto, respeito, amor e convivência familiar, levando-os a se reconhecerem pai e filho, ou mãe e filho, mesmo sem vínculos formais ou proteção jurídica.
Mas o que nem todos sabem é que a paternidade socioafetiva pode ser legalizada, ou seja, reconhecida juridicamente, tanto por vias judiciais como administrativas. Nesse sentido, o provimento nº 83/2019 do CNJ autoriza o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos. O próprio registrador atesta a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por meio da verificação de elementos concretos, como a apresentação de documentação que comprove a existência do vínculo.
De acordo com dados do Datajud, a quantidade de novos casos de reconhecimento de paternidade socioafetiva no Brasil aumentou de 4.320 em 2022 para 5.256 em 2023, representando um crescimento de 22%. Até abril deste ano, foram registradas 1.953 novas ações, o que indica uma tendência crescente na busca por esse reconhecimento.
Assim, a figura do pai ou mãe socioafetivo é tratada legalmente de forma equivalente à do pai ou mãe biológico, sem qualquer discriminação entre filhos adotivos ou biológicos, garantindo todos os direitos e deveres inerentes à parentalidade, como guarda, responsabilidade alimentar, direitos hereditários, convivência, educação, saúde, lazer, respeito, dignidade, e a convivência familiar e comunitária.

No entanto, é importante ressaltar que o reconhecimento da paternidade socioafetiva pode ser utilizado de maneira indevida para fraudar adoções e direitos hereditários, especialmente em pedidos de reconhecimento pós-morte, com o intuito de obter acesso à herança. Esse problema tem sido enfrentado pelo Judiciário, que precisa agir com muito critério e bom senso ao analisar os casos. A paternidade socioafetiva deve ser uma relação paterna existente e reconhecida entre as partes e a sociedade, e não apenas a vontade de uma pessoa.
É necessário que exista uma convivência contínua, um vínculo de afeto e cuidado, reconhecido tanto pela família quanto pela sociedade. Apenas a presença na vida da criança, sem o estabelecimento de uma relação profunda e significativa, não atende aos requisitos legais para o reconhecimento da paternidade socioafetiva
Ao reconhecer juridicamente esses laços, estamos fortalecendo as famílias e promovendo a inclusão social, garantindo que todos os membros da família tenham seus direitos e deveres respeitados, independentemente da existência de vínculos biológicos. Em uma data especial como o Dia dos Pais, é essencial refletirmos sobre o verdadeiro significado da paternidade, que vai além do sangue e se fundamenta no amor, no cuidado e no compromisso com o bem-estar dos filhos.
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