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O Supremo brasileiro nunca errou tanto quanto nos tempos atuais

Na lista de erros não está a anulação do processo a partir das alegações finais quando não garantido à defesa o direito de falar só após a manifestação do réu delator

Publicado em 27/09/2019 às 13h45
Atualizado em 28/09/2019 às 07h51

Supremo Tribunal Federal, em Brasília

Conceição Giori*

De há muito, inclusive ao tempo da célebre composição do mais alto órgão julgador do país, o Supremo errava. Nunca, entretanto, parece ter errado tanto quanto nos tempos atuais. E a sucessão de erros teve um importante começo com a ignoração completa da lei, passando a colocar-lhe o adjetivo de inconveniente para alguns casos e de valor reduzido para outros.

Neste último caso, donde já se avizinhava terreno fértil para a construção da morada do antidireito, as violações ao texto literal de lei foram justificadas com base no pseudo argumento de que o réu precisava provar o prejuízo que lhe foi decorrente da desobediência consciente pelo magistrado ou pelo acusador à lei, não valendo mais a lei por si mesma, mas apenas pelo que a conveniência dissesse que o valia, mitigando-lhe seu valor e fazendo do processo um jogo de difícil ou obscura compreensão.

A escolha aleatória de quando a lei deve ou não ser cumprida cria um contexto mais favorável ao jogo da sorte, extremamente pernicioso e nada afeto ao processo democrático.

O jurista Pontes de Miranda (1892-1979) assinalava, em seus livros, os julgamentos em que afirmava que o Supremo havia errado. É certo que o Supremo infelizmente errou, erra e errará. Esse é o ciclo da própria existência. O que lhe perturba a natureza, entretanto, é a não validação de um propósito compassivo de justiça equânime como propulsor do atravessamento das várias etapas da busca humana pela melhoria e progresso, e neste caso, o mais sensível deles: o de por em julgamento e julgar.

A lista de erros do Supremo Tribunal é grande, mas nela não está a anulação do processo a partir das alegações finais quando não garantido à defesa o direito de falar apenas após a manifestação do réu delator.

Ainda que se objete que o delator também é acusado e nesta condição não poderia ser visto como um assistente da acusação, verdade que é que sua condição é ainda mais perigosa: ele é a própria acusação. Suas alegações são voltadas a confirmar e justificar que tudo que disse em desfavor de outros réus é verdade.

E o que parece mais útil para confirmar a força de uma delação do que a condenação do réu delatado? Ignorar essa realidade com base em argumentos agora voltados à suposta literalidade da lei é confirmar a amnésia sobre os inúmeros julgamentos que se dão ao arrepio da lei e mesmo assim são aplaudidos, ainda quando obriguem ao cumprimento da pena um indivíduo contra quem ainda milita a presunção de inocência.

Então sim, o Supremo errou, mas não desta vez.

*A autora é advogada criminalista

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