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É bacharel em Filosofia

O que o dinheiro não compra hoje em dia?

Professora vende conteúdo adulto. Aluno recebe dinheiro para ir à escola. O domínio dos valores de mercado em todos os aspectos da atividade humana faz as relações sociais virarem um balcão de negócios

  • Paulo Brandão É bacharel em Filosofia
Publicado em 29/04/2024 às 13h37

Os valores de mercado, compra e venda, expandiram-se para áreas da vida antes regidas por normas não comerciais. Algo normal para os defensores do livre mercado. Preocupante para quem pensa diferente. Exemplos como da professora que vende conteúdo adulto para complementar renda, estudantes que recebem dinheiro do governo para irem à escola.

Em seu livro “O que o dinheiro não compra”, o filósofo Michael Sandel defende que deve haver limites para a influência do mercado na nossa vida. Ele pergunta se tudo tem um preço ou se existem bens, relacionamentos e serviços que não deveriam estar à venda. Afinal, você venderia seu filho? Claro que não! Não precisa ser assim, mas existem coisas que normalizamos como passíveis de troca por dinheiro.

O caso da professora que vende conteúdo adulto é visto por alguns como falta valorização da educação com baixos salários e sobrecarga de trabalho. E numa sociedade de livre mercado, com realidades econômicas difíceis, por necessidade de aumentar a renda ou manter o padrão de consumo, as pessoas podem usar de métodos de rendimento, muitas vezes controversos e discutíveis.

Para outros, mais conservadores, conforme comentários do Instagram de A Gazeta, associam a venda de conteúdo adulto a “prostituição” e “vida fácil”. Condenam a prática exercida por um profissional da educação. Essa atividade, no entanto, seja qual for a motivação, confunde a linha entre a escolha pessoal e a pressão social, e levanta preocupações sobre a extensão da exploração comercial das fronteiras pessoais.

Em contraste, o incentivo financeiro aos estudantes do ensino médio é uma questão diferente, embora complexa. A iniciativa, segundo o governo, visa democratizar o acesso, a permanência e a conclusão do ensino médio e reduzir as taxas de retenção, abandono e evasão. Desafio grande para um programa que tem como método uma transação comercial apenas.

Embora as transferências diretas de dinheiro sejam necessárias, pois muitos alunos nem têm o que comer em casa, o programa precisa ser monitorado e avaliado. Caso não aconteça, pode corromper a vida dos jovens, que sonham com a mobilidade social por meio da educação, como mera transação comercial, o que pode afetar valores como a dignidade do trabalho e o direito universal à educação.

Mas se o dinheiro pode comprar tudo é porque a política falha. Enquanto o mercado avança, a política segue com animosidades e não assume as questões que mais importam como, habitação social, educação, saúde, trabalho e geração de renda. Com o visível fracasso da política, presa em discursos vazios de palavreados sem sentido e disputas ideológicas, o mercado segue com seu prestígio e poder sedutor.

O domínio dos valores de mercado em todos os aspectos da atividade humana faz as relações sociais virarem um balcão de negócios. Para compreender melhor essa questão e saber identificar o lugar do mercado e o seu papel, cabe perguntar quais são os valores que regem a educação e as áreas da vida cívica e social. Ao fazer isso podemos ver se tudo tem um preço ou se ainda existem áreas que o dinheiro não pode comprar.

Professor em sala de aula
Professor em sala de aula. Crédito: Freepik

Mas por que se preocupar quando tudo parece estar à venda na sociedade? A lei do mercado não permite a justiça social, divide as pessoas entre aquelas que podem pagar e as que ficam para trás. Mesmo na escola pública, os alunos só poderão ir à escola e ter um bom desempenho, se tiverem moradia digna, alimentação e um ambiente familiar com concentração e disciplina para estudar.

Enfim, é preciso investir no professor e apoiar famílias vulneráveis. É crucial também manter as instituições públicas e sociais, livres de influência excessiva do mercado. Isso se faz por meio do fazer política, com foco nas principais questões que melhorem de fato a vida das pessoas. Caso contrário, todos nós vamos pagar um preço elevado, tanto financeiro, como cívico.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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