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É advogada especialista em Direito de Família e Violência Doméstica

O que é a realidade quando falamos de pensão socioafetiva?

Uma suposta “nova lei”, que nem sequer existe, ganhou força em fóruns, redes sociais e vídeos virais, com o alerta: “namorar mãe solo virou risco”. O medo espalhado é o de que mulheres estejam usando seus próprios filhos para obter pensão de ex-namorados

  • Gabriela Küster É advogada especialista em Direito de Família e Violência Doméstica
Publicado em 17/06/2025 às 11h47

A misoginia nem sempre grita. Às vezes, ela sussurra, se disfarça de piada, de manchete, de “preocupação com o futuro da sociedade”. E quando menos se espera, ela já virou senso comum. São ataques que vêm disfarçados de debates relevantes, mas que, no fundo, apenas reforçam estigmas e desviam o foco do que realmente importa.

O caso das mães de bonecas reborn é um bom exemplo: um pequeno grupo de mulheres que criam bonecas realistas foi ridicularizado por uma parcela sensacionalista da sociedade, em um país onde homens adultos jogam videogame por horas e mantêm seus rituais infantis de lazer, mesmo sendo pais, sem que isso jamais seja questionado.

Agora, o novo espantalho é a pensão socioafetiva. Uma suposta “nova lei”, que nem sequer existe, ganhou força em fóruns, redes sociais e vídeos virais, com o alerta: “namorar mãe solo virou risco”. O medo espalhado é o de que mulheres estejam usando seus próprios filhos para obter pensão de ex-namorados que não são os pais biológicos destas crianças.

A falácia serve de desculpa para destilar misoginia disfarçada de prudência. De novo, são mulheres as vítimas do alarde, desta vez a mãe solo vira a oportunista, a calculista, a ameaça.

Mas qual é a realidade quando falamos de pensão socioafetiva? Não existe nenhuma nova lei que obrigue o pagamento de pensão socioafetiva. O que existem são decisões judiciais, em contextos muito específicos, nos quais um homem assumiu voluntariamente uma função paterna duradoura, criando um laço reconhecido com essa criança.

E mesmo nesses casos, o reconhecimento do vínculo exige provas robustas, intenção de cuidar e responsabilidade assumida, definitivamente não basta namorar ou nem mesmo se casar com a mãe dessa criança.

Assumir um relacionamento com a mãe da criança, gostar e conviver com ela não é e nunca foi o suficiente para que seja requerida e estabelecida uma pensão. Importante lembrar que muitas mulheres, madrastas, assumem postura de cuidado com seus enteados e isso sempre foi tido como óbvio, já que o trabalho de cuidar é normalizado quando falamos de mulheres.

O espanto, a desculpa para não se comprometer, existe apenas quando falamos de homens, os padrastos. Mas fica a pergunta, quantos deles você conhece que realmente pagam pensão aos enteados, de forma compulsória e judicialmente estabelecida? Quem jogar limpo e não inventar casos vai dizer: “nenhum”. Não estamos aqui falando que é impossível que seja requerida ou mesmo concedida uma pensão, mas o cenário em que a justiça acata esses pedidos é muito diferente do que tem sido pintado por aí.

Enquanto isso, no Brasil real, milhares de mulheres travam batalhas judiciais para garantir que pais biológicos paguem a pensão de seus próprios filhos, algo que deveria ser óbvio. A luta é árdua, e o abandono paterno é epidêmico, são índices sempre crescentes e vergonhosos.

Pouco se vê a movimentação de homens nas redes sociais falando sobre isso, existem muito mais deles opinando sobre a lenda urbana da pensão socioafetiva, o que nos leva a questionar quais são suas reais preocupações quando o assunto é responsabilidade parental.

pai e filho
Pai e filho. Crédito: Pixabay

No fim das contas, o alarde sobre a pensão socioafetiva nem mesmo tem a ver com medo real de pagar pensão a uma criança que não é sua. Trata-se de misoginia, vontade de discriminar e destilar ódio por mães solo. Trata-se de um sistema que cria, a cada temporada, uma nova falácia do espantalho para deslegitimar mulheres, especialmente as mães.

Ontem éramos loucas criando bebês reborn, hoje somos aproveitadoras pedindo pensão alimentícia aos namorados de forma aleatória. E amanhã? Vamos ver qual a nova faceta para achincalhar mulheres.

É urgente romper com esse ciclo de narrativas fabricadas, elas dão vazão à misoginia dos homens e colocam mulheres contra mulheres também. Por trás de cada falácia dessas, há um esforço muito real de manter o machismo intacto e as mulheres silenciadas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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