O que incomoda não é a idade, nem o casamento, é o direito de uma mulher persistir, resistir e permanecer inteira fora e além do padrão. Brigitte Macron é mais do que primeira-dama da França. Tornou-se símbolo do que o patriarcado não tolera: uma mulher madura, protagonista de si mesma, amada e amando, que insiste em existir sem pedir desculpas à ditadura da juventude eterna.
Os ataques que sofre — da cruel fake news que a acusa de “ter nascido homem” às chacotas públicas de líderes e comentaristas, influenciadores e seguidores anônimos, não são apenas ruídos digitais. São parte de um projeto sistemático: apagar a mulher que envelhece em público, ama em público, vive em público.
Susan Sontag dizia que a velhice é um estigma. Para as mulheres, esse estigma é dobrado: rugas não são sinais de experiência, mas marcas de exclusão. Judith Butler lembra que gênero é um regime que governa os corpos. Brigitte rompe esse regime: o corpo que deveria sumir continua visível, amado, desejado, envelhecido, mas potente. A realidade é essa.
Simone de Beauvoir escreveu que “não se nasce mulher, torna-se.” Brigitte torna-se mulher à revelia das regras que definem até quando alguém pode ser desejada. O incômodo não está em sua história, mas em sua liberdade: amar um homem mais jovem, ocupar espaço simbólico e político, viver um amor fora do roteiro. É o desejo deslocado que escandaliza. Surge então a obscura engrenagem de violências.
O caso Brigitte revela o entrelaçamento de cinco violências:
- Misoginia – por ser mulher, existir e ter acesso ao poder;
- Controle do corpo – por submeter cada traço seu a um tribunal moral;
- Violência algorítmica – pela lógica das plataformas digitais que amplificam o ódio porque ódio dá lucro;
- Etarismo – por envelhecer sem pedir desculpas;
- Transfobia – por reduzir a complexidade das identidades em arma de ataque
Mas há ainda algo mais perverso no ataque: quando a influenciadora americana afirma que Brigitte “é homem”, ela não apenas lança uma mentira. Ela impõe um veredito simbólico: apenas um homem teria o direito de trafegar a vida como Brigitte trafega, desejada, influente, visível.
Nesse gesto, ela obriga Brigitte a provar que é mulher, invertendo a violência: uma idosa tem de se justificar para existir. É o castigo social pelo crime de não desaparecer. Afinal, o que está em jogo não é só sua honra. É a tentativa de matá-la simbolicamente antes que a morte biológica chegue. É a fúria de uma cultura que não suporta ver uma mulher persistir e resistir ao apagamento. Etarismo se reafirma como uma sentença de um feminicídio simbólico.
O etarismo não apenas discrimina, ele executa um ritual silencioso de morte social. Cada ruga é tratada como ferida, cada fio de cabelo branco como prova de culpa. Não se mata com armas, mas com invisibilização: a mulher madura é empurrada para fora do olhar coletivo, como se envelhecer fosse uma afronta intolerável.
Esse feminicídio simbólico é ainda mais cruel porque não sepulta corpos, mas consciências: anula trajetórias, amordaça desejos, extingue futuros possíveis. O patriarcado não atira, mas decreta: “você já morreu”, mesmo quando o corpo pulsa, ama, cria, insiste em viver.
O que resta perguntar? bell hooks já dizia: “O patriarcado tem medo das mulheres livres”. Brigitte Macron é exatamente isso: uma mulher livre. E é esse medo que move a engrenagem de ódio.
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A pergunta final não é sobre ela, mas sobre todas nós: até quando a liberdade feminina será condenada como crime e punida como afronta?
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