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É jornalista e professor

Nos 60 anos da ditadura militar, uma voz dissonante se calava

Assim como Galeano, Jô também deixa um legado que renasce a cada dia nas nossas mentes e corações e também na história, nem tão longínqua assim, de um período muito difícil da política brasileira

  • Vandique Magalhães É jornalista e professor
Publicado em 28/04/2024 às 10h00

Uma voz dissonante de resistência à ditadura militar no Brasil, entre 1964 e 1985, silenciou no último dia 1º de abril, momento em que se completava 60 anos do período mais sombrio da política brasileira.

Era um homem comum, mas com uma história de luta e resistência extraordinárias contra a ditadura militar no país. O jornalista Jô Amado, um português de nascimento, mas radicado no país, sucumbiu diante de um mal-estar ocasionado por um acidente vascular cerebral (AVC), aos 82 anos, na capital paulista, onde residia nos últimos anos.

Jô, como era mais conhecido, integrou o grupo “Dissidência Comunista da Guanabara”, no Rio de Janeiro, mais conhecido como DI-GB, que chegou a defender a luta armada como forma de oposição ao regime autoritário, vigente à época.

O DI-GB era uma “fração” dissidente da União da Juventude Comunista (UJC) do Partido Comunista, na qual Jô iniciou a sua militância política aos 17 anos de idade. A sua formação política teve grande influência do médico, escritor e historiador pernambucano Leôncio Basbaum, que resumia o comunismo em dois objetivos principais: paz e boa-vontade.

Anos mais tarde, o DI-GB se juntou ao grupo da Ação de Libertação Nacional (ALN), liderado por Carlos Marighella, para participar da ação no dia 5 de setembro de 1969, que culminou com o sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick.

Ainda em 1969, o jornalista Jô Amado também trabalhava no jornal O Globo. Dois anos mais tarde, em 1971, foi preso com uma companheira do seu grupo político. Após a prisão, continuou o seu ofício em O Globo e iniciou um novo trabalho no jornal Opinião, veículo alternativo carioca contra o regime.

Com o intenso ativismo político e sob o olhar dos militares, Jô foi aconselhado pelos companheiros e colegas a se mudar para o Espirito Santo, em 1973, já que haviam descoberto que ele também integrava o grupo responsável pelo sequestro do embaixador.

Em Vitória, na capital capixaba, ele continuou a sua militância contra o regime autoritário e se aliou a outros companheiros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Mais tarde, participou ativamente da criação do jornal alternativo “Posição”, criado na segunda metade da década de 1970, momento em que a censura imposta pelos militares recrudescia nas redações. Também teve participação proeminente na criação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Espírito Santo.

Mas nem tudo era só luta. Interessado pela literatura, Jô Amado chegou a lançar o livro “Palavras”, em 2005, com coautoria do também jornalista Robson Moreira. O livro traz uma coletânea de textos curtos sobre a filosofia nos seus mais variados aspectos.

Em uma das visitas ao jornalista e escritor Eduardo Galeano, com quem mantinha uma amizade em vida, Jô contou que ao chegar na cidade de Calella de la Costa, na Catalunha, onde ele estava exilado, foi recebido à porta: “¿Un cafecinho o una cachacinha? Tenemos los dos”, recepcionou à porta, Helena Villagra, mulher dele.

Galeano também chegou a escrever em “Memorias del fuego” sobre a morte do líder revolucionário Che Guevara em “Quebrada del Yuro”, na qual relata o aprisionamento e a execução de um dos líderes da Revolução Cubana (1959).

Jô Amado
O jornalista Jô Amado, um português de nascimento, mas radicado no país. Crédito: Album de família

Em certa ocasião, Jô traduziu, para mim, um trecho do poema “Dentro da Noite Veloz”, de Ferreira Gullar, escrito em espanhol, que tratava exatamente do aprisionamento do líder revolucionário na selva boliviana, na véspera do dia de sua execução, em 9 de outubro de 1967, em Higuera.

Esmurrávamos tanto as paredes de alvenaria / E era nossa herança uma rede de buracos / Comemos grama salgada / Pedras de alvenaria, lagartixas, ratos, / Poeira e vermes (Tradução Jô Amado).

Um poema de Galeano intitulado “O Nascedor”, traz os seguintes versos: “Por que será que o Che / Tem esse perigoso costume / De seguir sempre renascendo? /... Não será por que Che / Dizia o que pensava e fazia o que dizia? / ...Num mundo onde as palavras e atos tão raramente se encontram? / É quando se encontram / raramente se saúdam / Por que não se reconhecem?.

Assim como Galeano, Jô também deixa um legado que renasce a cada dia nas nossas mentes e corações e também na história, nem tão longínqua assim, de um período muito difícil da política brasileira.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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