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É advogada, mestra em direitos e garantias fundamentais e consultora de direitos e políticas para mulheres

Neymar: uma escolha muito difícil

A política é feita no dia a dia e, nisso, o que Neymar escolheu representar é o pior que a política brasileira recente já experimentou

  • Renata Bravo É advogada, mestra em direitos e garantias fundamentais e consultora de direitos e políticas para mulheres
Publicado em 05/12/2022 às 03h00
Neymar participa de live com o presidente Jair Bolsonaro
Neymar em apoio a Bolsonaro durante as eleições. Crédito: Reprodução de vídeo

“A eleição acabou”, é o argumento usado por muitos pra criticar quem critica Neymar. Acabou, de fato. Mas a política não se resume a eleições. A política é feita no dia a dia e, nisso, o que Neymar escolheu representar é o pior que a política brasileira recente já experimentou.

Neymar não escolheu simplesmente votar. O voto é individual. É de cada um e as escolhas são por razões diversas – e por vezes complexas. O que ele escolheu foi, usando do tamanho da sua imagem, zombar de muitos que sofreram e continuam sofrendo com a política de morte e de ódio implantada pelo projeto para o qual ele resolveu colocar a língua de fora e fazer dancinha. E ele mediu as consequências disso, afinal nada é feito sem planejamento nesses casos, pois envolve patrocínios, empresários e muito poder em qualquer tomada de posição de um artista ou atleta muito famoso.

“Você não entende nada de futebol” é outra coisa logo dita por homens pra defender Neymar. Será mesmo? Será que esses que bradam que não entendo nada de futebol já se interessaram em ler um pouquinho sobre as relações entre o futebol brasileiro, a Copa do Mundo e os momentos políticos pelos quais estávamos passando na nossa História? Será que se importam com a disparidade salarial entre homens e mulheres e com homofobia e racismo replicados nas arquibancadas, gramados e vestiários?

Para mim, futebol é sinônimo de coletividade. A Seleção Brasileira é a amarelinha. Quantos brasileiros, quando fazem viagem ao exterior, orgulhosamente levam a camisa da seleção masculina de futebol para vestir e tirar foto em pontos turísticos? Pois é, mas se Neymar fosse contemporâneo do Rei Luis XIV, talvez diria “o futebol sou eu”.

É muito difícil separar o autor da sua obra. Isso não significa torcer pra se machucar ou coisa que o valha. Significa não ter prazer em torcer. Eu admiro muitos artistas pela forma como se portam, como reagem a situações de injustiça. Neymar não consegue passar nada disso para a gente. Pelo contrário.

Quando ele, talvez o rosto e nome mais conhecido do esporte brasileiro da atualidade, escolhe ser representante para o projeto político do horror, da fome, da violência, não merece ser ovacionado como grande líder da nossa Seleção Brasileira de futebol masculino, aquela que levava a gente na década de 90 a pintar muros, que nos levava a chorar junto com a dor de Ronaldo e a vibrar de alegria com sua recuperação e seus gols.

Para muitos homens eu entendo o que Neymar representa: muito dinheiro, poder, sucesso, ter a mulher que deseja e a hora que deseja. Só que para muitas mulheres, ele representa medo, angústia, sarcasmo com a nossa dor. Não dá para torcer para alguém que promete, ao fazer o primeiro gol na Copa, homenagear o homem que já disse que não estupraria uma mulher porque não merecia, que falou que homossexuais merecem apanhar, que negros pesam em arrobas, que manda jornalistas calarem a boca, que corta verba para tratamento de câncer de mama, que corta dinheiro da educação básica.

Entendo que esse “cálculo”, para muitos homens, nem é feito ao escolherem seus ídolos e quem os representa, seja na política institucional ou na política cotidiana das ruas. Para nós, mulheres, o cálculo é precioso, pois vale nossa própria vida muitas vezes.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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