Não existe questão econômica ou social que dispense a ética

No caso Intercept Brasil, independentemente do desfecho que este venha a ter, cumpre à sociedade - mais do que ao Direito - declarar o veredito sobre mensagens atribuídas a juiz e promotores

Publicado em 29/07/2019 às 18h06
Atualizado em 30/09/2019 às 00h52

Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro

Reis Friede*

A ética, ainda que de forma implícita, funciona como uma legisladora do comportamento moral da sociedade. Não existe questão econômica ou social que possa dispensar uma reflexão ética. Mais do que nunca, é preciso discuti-la, levando-se em conta os áudios que vieram à tona das conversas atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e a agentes da Operação Lava Jato, obtidos de fonte anônima a partir de dados do aplicativo Telegram publicados pelo site The Intercept.

Um caso emblemático é o do crime de furto (qualificado) perpetrado por ocasião do anúncio da Lei de Anistia. Aproveitando-se de um descuido do então ministro da Justiça, Petrônio Portela, os jornalistas Etevaldo Dias e Orlando Brito subtraíram os originais da lei, permitindo que a imprensa obtivesse um “furo”, quando o texto legal não havia sido publicado no Diário Oficial. Nenhum dos repórteres foi punido.

Em contraponto, em 2018, a revista alemã “Der Spiegel” demitiu o premiado Claas Relotius, que confessou ter falseado detalhes de entrevistas, que fez para o periódico. Claas não foi poupado de punição e teve sua carreira encerrada.

Geralmente, a ética se aplica a situações que geram conflitos de valores. Nesse contexto, as dimensões interrogativa e crítica da abordagem ética sustentam-se, em parte, na troca de pontos de vista, através de debates. Sob essa ótica, é obrigatório deduzir que, em certas situações, o conceito de ética, como valor da coletividade, em suas variadas expressões, abrange não só a denominada moral social, como o próprio Direito.

Apesar de certa convergência entre ética e Direito, esses dois conceitos são distintos, sendo que a primeira acode o segundo no estabelecimento e na interpretação de normas legais. A ética possibilita a evolução da lei, enquanto o Direito, por meio da força vinculante da norma, assegura a consolidação dos valores defendidos em nossa sociedade.

Conclui-se que a responsabilidade ética é uma exigência que está afetando todas as profissões, embora tenha maior relevância naquelas em que há maior impacto público, como nos julgamentos procedidos pelos juízes e nas notícias publicadas pela classe jornalística, vez que sua palavra é amplamente divulgada.

Voltando ao caso Intercept Brasil, a ilação inescapável é que, independentemente do desfecho que este venha a ter, cumpre à sociedade – mais do que ao Direito – declarar o veredito. Será um exercício difícil, mas uma oportunidade para o amadurecimento da livre e soberana consciência ética nacional.

*O autor é desembargador federal e presidente do TRF 2 (RJ e ES)

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