Desde o ano de 1992, quando fui integrar o efetivo da antiga Companhia de Polícia de Choque, hoje Batalhão de Missões Especiais, participei de operações policiais nos morros da Grande Vitória.
Na época, com 23 anos de idade e apenas quatro de profissão, ficava deslumbrado com os cenários. Tanto com as questões internas, que naquela época já apontavam diversas carências, necessidades e intervenções imediatas por parte dos governos, quanto a exuberância das paisagens. Panoramas naturais, que contemplavam as belezas das cidades, por ângulos nunca vistos por mim antes.
As iniciativas governamentais nesses locais sempre foram adiadas e colocadas em segundo plano. Assim, os aglomerados de casas cresceram desorganizadamente, sem que as necessidades sociais básicas fossem atendidas.
O ambiente, sem a presença do Estado, permitiu o crescimento da criminalidade, passando por diversas fases, até os dias atuais, em que vivenciamos a presença e o predomínio do tráfico de entorpecentes nesses locais.
O comércio ilegal de drogas trouxe a disputa por territórios, o acesso às armas de fogo, a entrada dos jovens e a explosão imatura e inconsequente da rivalidade, fomentando o aumento dos homicídios, com mortes precoces.
A solução não é fácil e exige um planejamento a longo prazo, mas é preciso encarar o problema, muito além das cotidianas ações da polícia. Para tanto, é preciso abrir estradas, desapropriar casas, criar mirantes, teleféricos, propiciar o turismo e trazer o terceiro setor para ensinar e impulsionar o empreendedorismo das famílias locais. Não precisa reinventar a roda, outros países já fizeram isso, basta olhar o exemplo de Medelín.
Essas oportunidades precisam invadir os morros, sempre alicerçadas com a educação, saúde, emprego, renda local, infraestrutura e outras tantas questões que dialogam diretamente com a segurança pública. Esses investimentos sociais trazem dignidade às pessoas, distensionam a relação entre polícia e comunidade e reduzem a cobrança por mais ações policiais.
Os capixabas e os turistas que nos visitam precisam conhecer as maravilhosas paisagens dos nossos morros, em paralelo, absorver a cultura local do samba, da feijoada, do artesanato, da música e das famílias tradicionais. Quanto potencial existe nos nossos morros. Mas só enxerga quem coloca os pés lá.
Numa alusão aos morros, ao abandono social, à discriminação e à repressão policial, o sambista Bezerra da Silva, na música "Desabafo do Juarez da Boca do Mato", em 1996 já dizia: “Navio não sobe o morro doutor, aeroporto no morro não tem, lá também não tem fronteira, estrada, barreira pra ver quem é quem”.
Bezerra, na sua simplicidade musical, mandava o recado para os governantes: só polícia não dá. Mudar a realidade social de uma comunidade muda também a vida das pessoas.
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