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É advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal (Goethe-Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg) e professor da FDV

Metanol: quando o balcão vira fronteira de responsabilidade

Casos de intoxicação por metanol expõem a fronteira entre negligência e dolo no comércio de bebidas — e mostram que diligência não é burocracia, é dever jurídico e moral

  • Raphael Boldt É advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal (Goethe-Universität) e em Criminologia (Universität Hamburg) e professor da FDV
Publicado em 07/10/2025 às 14h00

A cada surto de intoxicação por metanol, repete-se a pergunta: até onde vai a responsabilidade do dono do bar? Minha posição é direta: quem lucra servindo álcool tem o dever de diligência reforçado. Não é “azar de lote”; é um risco conhecido na cadeia de bebidas, previsível o bastante para exigir controles mínimos de origem, armazenamento e serviço.

Isso não significa criminalizar a atividade por reflexo. Mas, num mercado em que garrafas reenchidas, preços “mágicos” e rótulos duvidosos circulam à vista de todos, fechar os olhos deixa de ser descuido e passa a ser participação. Quando o empresário compra sem nota, aceita lacre violado ou reenvasa, ele aproxima o copo do crime. E se o resultado for a morte, certamente os órgãos de persecução discutirão dolo eventual no Júri — a assunção do risco de matar —, não um “acidente”.

Destilados, como uísque, são os produtos no alvo das investigações contra o metanol no Brasil
Bebidas destiladas estão  no alvo das investigações contra o metanol no Brasil. Crédito: Luwadlin Bosman/Unsplash

Mesmo quando a fraude nasce no fornecedor clandestino, vender bebida imprópria configura crime contra as relações de consumo (Lei 8.137/90, art. 7º, IX). Não há “responsabilidade objetiva” no direito penal: exige-se dolo ou culpa. Mas sinais ignorados, como preço irreal, ausência de nota, lacre violado, rótulo irregular e procedência desconhecida, fortalecem a acusação.

Do ponto de vista prático, o empresariado que se resguarda, protege também o consumidor — e o sistema de justiça. Comprar apenas de distribuidores regulares, exigir documentação e lastro de lotes, nunca reengarrafar, treinar equipes para recusar “oportunidades” fora da curva, registrar controles e acionar as autoridades ao menor indício: esse é o manual mínimo de diligência. Funciona como escudo jurídico e, sobretudo, como barreira sanitária.

Consumidores também têm papel: desconfiar de “promoções milagrosas”, observar lacres e denunciar suspeitas. Mas a linha de frente é o balcão. Numa economia que valoriza marca e confiança, servir bebida adulterada é cavar o próprio poço — e, em certos casos, o próprio processo penal.

Em suma: responsabilidade não é fardo, é ativo competitivo. Quem trata o risco do metanol como exceção improvável, já começou a errar. Quem o trata como risco gerenciável, com procedimentos e transparência, protege vidas e preserva a própria liberdade.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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