Autor(a) Convidado(a)
É advogado, professor, mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS e doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV

Massacre no Jacarezinho: barbárie enquanto política de segurança pública

Por trás da esperança ilusória de que o uso da força letal pela polícia possa promover uma tão desejada paz nas cidades, o que fica é um rastro de corpos e de traumas nas comunidades

  • Lucas Melo Borges de Souza É advogado, professor, mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS e doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV
Publicado em 23/05/2021 às 02h00
Operação da Polícia Civil no RJ contra o tráfico de drogas no Jacarezinho
Operação da Polícia Civil no RJ contra o tráfico de drogas no Jacarezinho. Crédito: Vanessa Ataliba/Zimel Press/Folhapress

No último dia 6 de maio, uma operação policial na favela do Jacarezinho, localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, resultou em 28 mortos, sendo 27 civis e 1 policial. O derramamento de sangue garantiu à operação o título de ação policial mais letal da história do Estado do Rio de Janeiro.

O massacre na favela do Jacarezinho e as repercussões favoráveis à ação policial podem ser interpretadas na condição de materializações do fenômeno da naturalização da violência na sociedade brasileira, presente tanto na relação entre Estado e cidadão, quanto na relação entre cidadãos e que encontra solo fértil no campo da segurança pública. 

O uso da força letal pela polícia – para se ater à questão mais premente da operação policial na favela do Jacarezinho – é tomado na qualidade de técnica necessária e útil, especialmente contra a chamada criminalidade de rua (furto, roubo e tráfico), em consonância com a ideia de que segurança pública é apenas questão de polícia e com o paradigma bélico de “combate ao crime”.

E um dos expedientes de legitimação da morte daquele que foi alvo da operação policial é a qualificação do morto como indivíduo com passagem pela polícia e/ou condenação criminal por esses tipos de crimes. Isso é feito muitas vezes com a atribuição da alcunha de “bandido”, que desqualifica o indivíduo enquanto cidadão e o reduz a uma forma marginal de vida, sujeita a uma morte desprezada ou enaltecida pela população e mecanicamente homologada por instituições estatais.

Por trás da esperança ilusória de que essa lógica de funcionamento possa promover uma tão desejada segurança nas cidades, fica um rastro de corpos de cidadãos e de traumas nas famílias dos mortos e nas comunidades locais. Também não se pode esquecer do grande número de policiais que acabam por compor o quadro de vítimas de uma espécie de guerra sem fim do Estado contra determinados setores da população nos centros urbanos.

Além disso, via de regra, a morte resultante das ações policiais no Brasil tem cor de pele, faixa etária, sexo e endereço. O alvejado costuma ser homem, jovem, negro e morador das regiões periféricas, algo que deve ser colocado em uma perspectiva histórica devido à força do racismo e do trato arbitrário com a pobreza na formação social brasileira.

Uma das coisas que o massacre na favela do Jacarezinho nos recorda é que a perpetuação e a legitimação social e institucional do uso da força letal pela polícia ainda é um de vários problemas que afligem o campo da segurança pública. É preciso urgentemente repensar e debater o modelo de polícia, de sociedade e de Estado a ser efetivado no Brasil. Por enquanto, infelizmente, a opção tem sido pela adesão coletiva à barbárie, ao invés de uma disposição democrática para a mediação político-jurídica e social.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.