No dia 2 de setembro, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 192/2023 modificando a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 64/1990). Por 50 votos a favor e 24 votos contra, foi alterada a forma de contagem do prazo de inelegibilidade, para aqueles enquadrados na lei. O prazo de inelegibilidade que hoje é contado a partir do fim do mandato foi unificado em oito anos e passa a ser contado a partir da decisão que decretar a perda do mandato; da eleição na qual ocorreu a prática abusiva; da condenação por órgão colegiado; renúncia.
Na prática, haverá uma redução substancial do tempo de impedimento para se candidatar a cargos elegíveis, aqueles considerados “fichas sujas”. Essas alterações não valerão para certas condutas, tais como crimes contra a administração pública, tráfico, lavagem de capitais etc. Todavia, no geral, essas mudanças significam um retrocesso para a democracia e desprestígio ao titular da soberania que é o povo.
O art. 14, § 9º da Constituição Federal estabelece que a finalidade das inelegibilidades é a proteção da probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, e assim inibir o abuso do poder econômico e abuso do exercício de função. A vida pregressa do (a) candidato (a) deve afinar-se com os princípios republicanos, quais sejam: soberania popular, virtudes cívicas, império da lei, supremacia do bem comum e isonomia.
Sancionada em 4 de junho de 2010, a Lei da Ficha Limpa é fruto da iniciativa popular (art. 14, III da Constituição), com mais de 1,5 milhão de assinaturas. A lei passou a ser considerada um novo paradigma no combate à corrupção. Um avanço republicano e um escudo para a democracia.
As alterações aprovadas, recentemente, contrariam em cheio, o princípio da vedação do retrocesso, conhecido como efeito “cliquet”. Consagrado pelas teorias constitucionais contemporâneas, o mencionado princípio implica que direitos fundamentais não podem ser diminuídos ou revogados, devendo sempre avançar em sua maior proteção.
A corrupção é uma violação direta aos direitos humanos e o arrefecimento do seu combate significa esvaziar tais direitos. Significa solapar o princípio fundamental da cidadania (Art. 1º, II da CF). E mais, podemos extrair da nossa ordem constitucional um direito fundamental anticorrupção, que em seu art. 37, § 4º prevê sanções para os atos de improbidade administrativa, incluindo a suspensão de direitos políticos.
No plano internacional, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana contra a Corrupção (1996), internalizada pelo Decreto nº 4.410/2022, que em seu preâmbulo destaca que “a corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos”.
Todos esses aspectos devem ser considerados pelo Presidente da República, que tem o poder de sanção e veto sobre os projetos de lei, aprovados pelo Congresso Nacional. E, sobretudo, cabe ao eleitorado e ao povo em geral ficarem vigilantes na proteção da nossa República Democrática.
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