Julia Roberts e a ordem de alegações finais no Supremo brasileiro

O Supremo Tribunal Federal também comete erros, e foi o que ocorreu no caso recente dentro da Operação Lava Jato

Publicado em 18/09/2019 às 23h43
Atualizado em 29/09/2019 às 12h21

Sede do Supremo Tribunal Federal (STF)

Américo Bedê Jr e Gustavo Senna*

Em 1993, a atriz Julia Roberts interpretou uma personagem no filme “Dossiê Pelicano” que, ao ser confrontada com o argumento de que o STF decidiu de modo diferente, respondeu que a Suprema Corte estava errada.

O STF também comete erros, e foi o que ocorreu no caso recente dentro da “Operação Lava Jato”, onde por uma maioria de 3 votos a 1 ficou decidido que a partir da fase de alegações finais o processo é nulo porque o juiz concedeu prazo simultâneo a todos os réus, quando deveria primeiro conceder o prazo para réus delatores e depois para os demais réus.

Como contraponto ao entendimento do STF, os seguintes argumentos podem ser apresentados: a) o réu é condenado ou absolvido com base nas provas do processo e não em virtude do conteúdo de alegações finais que não podem acrescentar nenhuma prova nova para o deslinde da causa; b) a lei não tem previsão de prazo diferenciado para réus delatores ou não, afinal se todos são réus não se trata de uma omissão ou esquecimento, mas de um silêncio relevante que deixa claro a opção de prazo comum; c) é equivocado falar que o réu delator vira assistente de acusação uma vez que o assistente jamais é condenado e réu delator pode ser condenado. Não bastasse, é pacífico na jurisprudência que corréus não podem figurar como assistente de acusação, o que, aliás, está previsto no art. 270 do CPP; d) a alegação genérica e sem comprovação de prejuízo aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa não merece ser acolhida, porque o devido processo legal é aplicado nos termos da lei e ela não prevê prazos distintos, não sendo a ampla defesa violada pelo simples fato de que o juiz não utiliza alegações finais de réu delator para condenar réu delatado, mas sim as provas, que já estavam no processo, para fazer o seu julgamento; f) por fim, cabe destacar que o próprio CPP prevê no artigo 566 que não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.

Concluindo, cabe refletir a citação de Jorge de Figueiredo Dias: “o pior serviço, na perspectiva da sociedade democrática e liberal, que pode prestar-se à defesa dos direitos individuais, é invocá-los sem razão bastante como entidades absolutas que recusam à partida todo o equilíbrio com direitos inalienáveis da comunidade.”

Em breve, o plenário do STF terá a oportunidade de corrigir essa interpretação. Oxalá novos ventos tragam inspiração para a Corte que, como dizia Rui Barbosa, tem o direito de errar por último.

*Os autores são professores da FDV

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