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Jornalismo e mediação qualificada entre público e realidade

Por motivos político-econômicos, mercadológicos e culturais, a noção de objetividade jornalística passou a ganhar centralidade a partir do final do século XIX. Problema ocorre quando o jornalismo não problematiza seu papel de mediador

  • Rafael Paes Henriques
Publicado em 19/11/2020 às 17h00
Tecnologias da informação
Cidadãos cobram e esperam que os fatos sejam relatados de modo honesto e verdadeiro. Crédito: Pixabay

A existência do jornalismo encontra justificativa na sua finalidade de realizar a mediação entre o público e a realidade. Como instituição social, a atividade de produção de notícias foi sendo forjada historicamente de acordo com um conjunto de promessas e expectativas. De um lado, as organizações jornalísticas e os profissionais do campo – nem sempre em consonância – comprometem-se a seguir uma série de princípios éticos e metodológicos, com o objetivo de entregar um produto que represente com rigor e exatidão os acontecimentos de interesse jornalístico. De outro, os cidadãos cobram e esperam que os fatos sejam relatados de modo honesto e verdadeiro, atendendo ao interesse público e também do público.

Dessa forma, esse conjunto de comprometimentos e cobranças, que moldam o jornalismo, é o resultado de certos entendimentos sobre qual é a natureza da realidade e também de determinadas concepções do que significa realizar corretamente a tarefa de mediar. Por motivos político-econômicos (aumentar o número de possíveis leitores); mercadológicos (atender a demandas de novos públicos) e culturais (valorizar a autonomia do sujeito), a noção de objetividade jornalística passou a ganhar centralidade, a partir do final do século XIX, se consolidando como um valor incontornável para a atividade depois da Segunda Guerra Mundial.

Nesse paradigma, as ocorrências com as quais os jornalistas lidam teriam uma essência e significado que independem de interpretação ou de complementação subjetiva e mediar corretamente significaria, em linhas gerais, justamente separar os fatos de opiniões e interpretações para, assim, produzir um relato que apresente os eventos neles mesmos, ou, pelo menos, uma máxima aproximação possível dessa objetividade.

Ainda que não se queira discutir filosoficamente esse conceito, o que se pretende com o jornalismo e o que se espera das notícias acaba, invariavelmente, sendo o resultado de uma forma de entendimento do que deveria ser a objetividade jornalística. Em outras palavras: não se escreve, nem se lê uma linha jornalística sem que tudo isso esteja pressuposto.

O problema é que quando não problematiza minimamente a mediação, e adota ideias ingênuas de objetividade, o jornalismo oferece ocasião e oportunidade para a desinformação, que, infelizmente, não é exclusividade das milícias digitais bancadas por partidos políticos e empresas e impulsionadas por robôs e tiozões do Zap.

Em certas concepções de objetividade, ligadas apenas a aspectos formais e metodológicos, por exemplo, não interessa muito a natureza do que uma autoridade pública diz, mas sim a correção e exatidão da transcrição do que se disse. O resultado é o jornalismo declaratório. Assunto para um próximo texto.

O autor é professor do Departamento de Comunicação Social da Ufes, mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho, doutor em Filosofia pela UFRJ e pós-doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA 

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