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É especialista em gestão de reputação e gerenciamento de crises. Dirige a LR Comunicação, consultoria que atende políticos, grandes bancas de advocacia, associações de classe e marcas relevantes do showbiz. Já passou por veículos como Folha de S.Paulo e TV Globo

Gestão de crise: reputação é um eco que pode virar um mero sussurro

Como, após tantos escândalos, Neymar segue sendo um ídolo? É claro que reputações bem construídas e consolidadas não desmoronam tão facilmente

  • Lucas Rezende É especialista em gestão de reputação e gerenciamento de crises. Dirige a LR Comunicação, consultoria que atende políticos, grandes bancas de advocacia, associações de classe e marcas relevantes do showbiz. Já passou por veículos como Folha de S.Paulo e TV Globo
Publicado em 22/08/2023 às 13h40

Não foram raras as vezes em que meu telefone tocou e, do outro lado da linha, estava um cliente em apuros narrando situações delicadíssimas. Já ouvi de quase tudo: busca e apreensão, prisão, fuga, cancelamentos de shows, denúncias e outras intempéries. Como não sou advogado nem policial, meu número é o acionado por um motivo simples: desde que o mundo é mundo, personalidades, políticos e grandes marcas gerenciam suas crises para sobreviver - ou tentar.

Como, após tantos escândalos, Neymar segue sendo um ídolo? E o Carrefour continua lotado de clientes? E os negros ainda frequentam o Starbucks? Em comum, todos souberam gerenciar seus escândalos - porque há uma ciência por trás disso. E no mundo em que 90% dos lares brasileiros estão conectados à internet, agir com assertividade nunca foi tão precioso para garantir o dia de amanhã.

Disse que gerenciar crises é uma arte “desde que o mundo é mundo” porque foi no início da década de 80 que o Tylenol, analgésico líder de vendas nos Estados Unidos, mostrou como se faz. Óbitos começaram a surgir em Chicago após a ingestão do comprimido. A perícia inicial concluiu que as cápsulas estavam contaminadas com cianeto - o bastante para jogar a reputação do Tylenol no chão.

Num ato até então pouco praticado na época, a empresa abriu as portas de sua fábrica para que os investigadores pudessem acompanhar o processo de fabricação. Além disso, representantes passaram a visitar hospitais e a se aproximar da imprensa, aumentando a transparência com o caso.

O tempo passou e a polícia concluiu que os medicamentos haviam sido adulterados quando já estavam nas gôndolas das farmácias, inocentando o laboratório. Mas o Tylenol não parou por aí: lançou novas cápsulas com estrutura impenetrável. Deu tão certo que, se bobear, você tomou um desses essa semana mesmo - e sem cianeto. Uma boa gestão de crise se faz assim: demonstrando remorso, responsabilidade e reparação.

O Starbucks também soube administrar grandes problemas depois que dois homens negros, que estavam numa loja sem consumidor e esperando um amigo, foram convidados a se retirar. Como se recusaram, a polícia foi chamada e os homens deixaram o local algemados. Tudo foi gravado. Os funcionários envolvidos foram demitidos? Sim. Uma tradicional nota de resposta foi emitida? Também. Mas o pulo do gato veio depois: o Starbucks fechou, por uma tarde, todas as suas 8 mil lojas nos Estados Unidos para que os 175 mil funcionários fossem treinados sobre como combater o racismo. Repetindo: remorso, responsabilidade e reparação.

Todos somos uma vitrine, sendo CPFs ou CNPJs. E estamos sendo assistidos a todo momento por 82% dos usuários - número de internautas que seguem alguma marca no Instagram. Aqui mora um plus para o problema: as redes sociais, mais do que nunca, são uma pólvora para espalhar notícias. Com um clique, todos compartilham, comentam, dão sua opinião, atacam, crucificam - e pronto, a tragédia está desenhada. Crises nascem de forma mais fácil do que antes. Por isso, cada vez mais, é importante ter agilidade na resposta. Costumo falar sempre que, num mar de versões, que fiquem com a sua. E quanto mais tarde você chega, mais contaminada estará a cena.

É claro que reputações bem construídas e consolidadas não desmoronam tão facilmente. O Carrefour, por exemplo, já se viu em meio a manchetes horríveis, e continua vendendo de vento em popa por conta de ocupar um fatia de mercado gigantesca, por ter uma origem internacional e vender o básico: alimento. Por outro lado, cansei de ver camisas com o nome do Neymar expostas em lugares de destaque em vitrines da Champs-Élysées, mesmo após todos os episódios que conhecemos envolvendo o atacante.

Neymar está afastado do clube por tratamento de lesão
Neymar. Crédito: Redes Sociais (@neymarjr)

Por isso é importante construir autoridade a longo prazo. Discursos soam mais confiáveis da boca de pessoas confiáveis - daí a escolha do porta-voz de uma crise ser definidora. E ter um exército nessa hora conta muito. Marcas e personalidades que conquistam seus clientes ou seguidores transformam eles em “love brands” - que atuam tanto como defensores e também como fiéis compradores ou acompanhantes depois da tempestade. Se a sua construção de reputação já não vai muito bem, o número de detratores só tende a ser maior, dificultando um recomeço.

Na hora da crise, tudo importa: se você é lento ou rápido demais para se manifestar. Se você aparece em público ou não - e com que roupa, com qual semblante e em qual lugar. Seus hábitos nos dias seguintes. Seu comportamento na internet. Sua verdade e sua capacidade de mea-culpa. Finalizo lembrando uma frase do Molière que diz assim: “Reputação é um eco”. Concordo, porque se você não souber cuidar dela direito, pode virar um mero sussurro.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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