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É pesquisador no Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente do Trabalho na USP, pós-graduado em Direito do Trabalho pela FDV, advogado trabalhista e sócio-fundador da Fabretti & Milhorato Advogados

Falar em indústria de ações trabalhistas no país é culpar o termômetro pela febre

A advocacia trabalhista, longe de fabricar litígios, atua como ponte de acesso à justiça, equilibrando a relação entre trabalhadores (“one-shotters”) e empregadores litigantes habituais, ou “repeat players”

  • Bruno Milhorato É pesquisador no Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente do Trabalho na USP, pós-graduado em Direito do Trabalho pela FDV, advogado trabalhista e sócio-fundador da Fabretti & Milhorato Advogados
Publicado em 20/06/2025 às 15h47

A ideia de que existiria, no Brasil, uma “indústria das ações trabalhistas” inverte a lógica dos fatos: quem movimenta a engrenagem não é o trabalhador que recorre ao Judiciário, mas o empregador que sistematicamente descumpre direitos elementares.

Em 2024, por exemplo, registraram-se 23.873.575 desligamentos formais de vínculos celetistas, segundo o Caged. No mesmo ano, deram entrada nas Varas do Trabalho apenas 2.117.547 reclamações trabalhistas — algo inferior a 9% do total de rescisões.

A probabilidade de ser acionado, portanto, é tão baixa que o inadimplemento se torna um modelo de negócio: as verbas sonegadas (horas extras, adicional de insalubridade, verbas rescisórias, etc.) financiam o ilícito e ainda geram caixa até que se transformem em condenação.

O conteúdo das demandas confirma essa percepção. Ranking elaborado pelo Tribunal Superior do Trabalho aponta que os quatro temas mais recorrentes são exatamente o pagamento da multa de 40% sobre o FGTS, as demais verbas rescisórias, as horas extras e o adicional de insalubridade. Ou seja, litiga-se para cobrar direitos básicos, não para pleitear pretensões extravagantes.

Quem figura no outro lado do balcão também desmonta a narrativa da “indústria” criada por advogados: o painel “Grandes Litigantes” do CNJ (em 30 abril 2025) mostra Correios, Caixa, Bradesco, Petrobras e Itaú no topo da lista, todos com dezenas de milhares de processos pendentes. Esses gigantes se encaixam no conceito de “repeat players” formulado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, isto é, litigantes habituais que internalizam o risco judicial como um simples custo operacional.

Mesmo diante desse contencioso massivo, a Justiça do Trabalho apresenta desempenho superior ao dos demais ramos. O relatório Justiça em Números 2024 registra que, em 2023, a produtividade do segmento trabalhista cresceu 20,1%, contra média de 6,9 % no Judiciário brasileiro (cnj.jus.br). Julgou-se e baixou-se algo em torno de 4,1 milhões de processos, superando o volume de casos novos. A máquina judiciária funciona; o gargalo está fora dela, no vasto campo do descumprimento patronal e na subnotificação forçada de quem teme represália ou desconhece seus direitos.

Justiça do Trabalho
Justiça do Trabalho. Crédito: Divulgação

Dizer, portanto, que há uma “indústria das ações” é culpar o termômetro pela febre. A advocacia trabalhista, longe de fabricar litígios, atua como ponte de acesso à justiça, equilibrando a relação entre trabalhadores (“one-shotters”) e empregadores litigantes habituais, ou “repeat players”, e conferindo eficácia pedagógica às condenações.

É justamente porque menos de 10% dos desligados procuram o Judiciário que persiste a “indústria do descumprimento”, sobretudo nas questões de meio ambiente do trabalho, onde o risco de responsabilização é ainda menor. Defender a Justiça do Trabalho — e os profissionais que nela atuam — é defender o cumprimento da Constituição e a dignidade de quem vive do próprio trabalho.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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