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É advogado trabalhista e previdenciário sócio do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados

Empresas podem exigir antecedentes criminais na hora da contratação?

Embora tal exigência possa parecer uma medida preventiva de segurança, na prática ela representa uma verdadeira armadilha jurídica

  • Alex Rosetti É advogado trabalhista e previdenciário sócio do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues Advogados Associados
Publicado em 22/11/2025 às 14h00

Em muitos contratos empresariais, sobretudo em terceirizações e parcerias estratégicas, é comum encontrar cláusulas que exigem a apresentação de atestados de antecedentes criminais de todos os empregados envolvidos.

Embora tal exigência possa parecer uma medida preventiva de segurança, na prática ela representa uma verdadeira armadilha jurídica: expõe empresas de qualquer porte a riscos trabalhistas, de compliance e de proteção de dados, com potencial de gerar passivos milionários e comprometer sua reputação no mercado.

Em tempos em que a gestão de riscos e a governança corporativa são fundamentais para a competitividade, é crucial compreender os limites legais dessa prática e adotar estratégias seguras.

Tema Repetitivo nº 1 do TST: o parâmetro definitivo para as empresas

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio do Tema Repetitivo nº 1, estabeleceu parâmetros claros que devem orientar empresas em suas políticas de contratação. O entendimento vinculante fixado pela Corte é taxativo: exigir antecedentes criminais de forma genérica, sem respaldo legal ou conexão com a natureza da função, configura prática discriminatória e gera dano moral automático ao trabalhador, ainda que ele seja contratado.

A exigência só se justifica em situações excepcionais — como funções que lidam com menores, valores, segurança patrimonial ou informações altamente sigilosas — ou quando prevista expressamente em lei. Fora desses casos, a prática é abusiva e potencialmente indenizável.

Riscos concretos para as empresas

O cumprimento cego de cláusulas contratuais que exigem antecedentes criminais abre espaço para múltiplas frentes de responsabilização. As empresas ficam expostas a ações trabalhistas individuais, nas quais empregados podem pleitear indenização por dano moral; à atuação do Ministério Público do Trabalho, com a instauração de inquéritos civis ou ajuizamento de ações civis públicas; à nulidade contratual da cláusula abusiva, que fragiliza a relação comercial; e ainda a sanções administrativas da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), pela violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no tratamento de dados pessoais. Trata-se de um risco transversal, que atinge desde pequenas empresas fornecedoras até grandes corporações.

A LGPD e a proteção de dados pessoais

A LGPD impõe parâmetros rigorosos e inafastáveis para o tratamento de informações pessoais, especialmente quando relacionadas à esfera mais íntima do indivíduo, como registros criminais. A exigência genérica de antecedentes viola diretamente os princípios da necessidade, finalidade, proporcionalidade e segurança, pilares da legislação.

Contrato de trabalho
Contrato de trabalho. Crédito: Shutterstock

Mesmo o consentimento do trabalhador não é suficiente para legitimar a prática, já que a própria LGPD reconhece a fragilidade desse consentimento em relações marcadas pela subordinação (art. 8º, §5º). Dessa forma, ainda que a empresa obtenha anuência formal do empregado, continuará sujeita a responsabilização administrativa e judicial.

Caminhos para uma estratégia segura

Conciliar exigências contratuais legítimas com a proteção dos direitos fundamentais do trabalhador demanda estratégia jurídica precisa. Entre as medidas recomendáveis estão: negociar cláusulas contratuais para limitar a exigência apenas a funções de risco comprovado; formalizar responsabilidades, deixando registrado quando a exigência partir da contratante; implementar protocolos internos de compliance que assegurem sigilo, acesso restrito e descarte adequado das informações; e análise individual de cada caso, evitando dispensas automáticas e prevenindo práticas discriminatórias. Essas ações não apenas reduzem riscos, mas também fortalecem a imagem institucional da empresa como comprometida com a legalidade e com boas práticas de governança.

Compliance não pode virar passivo

No atual cenário de negócios, marcado por forte escrutínio sobre responsabilidade social, ética e governança, empresas não podem permitir que medidas aparentemente preventivas se transformem em verdadeiros passivos jurídicos. A exigência indiscriminada de antecedentes criminais é um exemplo claro de como o excesso de zelo pode se converter em risco.

O caminho mais seguro é alinhar contratos e políticas internas à jurisprudência trabalhista e às diretrizes da LGPD, restringindo a prática a casos realmente justificáveis. Ao adotar essa postura, a empresa protege-se de litígios, evita sanções e reforça sua imagem como organização ética, responsável e competitiva — atributos indispensáveis em um mercado cada vez mais exigente.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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