Em muitos contratos empresariais, sobretudo em terceirizações e parcerias estratégicas, é comum encontrar cláusulas que exigem a apresentação de atestados de antecedentes criminais de todos os empregados envolvidos.
Embora tal exigência possa parecer uma medida preventiva de segurança, na prática ela representa uma verdadeira armadilha jurídica: expõe empresas de qualquer porte a riscos trabalhistas, de compliance e de proteção de dados, com potencial de gerar passivos milionários e comprometer sua reputação no mercado.
Em tempos em que a gestão de riscos e a governança corporativa são fundamentais para a competitividade, é crucial compreender os limites legais dessa prática e adotar estratégias seguras.
Tema Repetitivo nº 1 do TST: o parâmetro definitivo para as empresas
O Tribunal Superior do Trabalho (TST), por meio do Tema Repetitivo nº 1, estabeleceu parâmetros claros que devem orientar empresas em suas políticas de contratação. O entendimento vinculante fixado pela Corte é taxativo: exigir antecedentes criminais de forma genérica, sem respaldo legal ou conexão com a natureza da função, configura prática discriminatória e gera dano moral automático ao trabalhador, ainda que ele seja contratado.
A exigência só se justifica em situações excepcionais — como funções que lidam com menores, valores, segurança patrimonial ou informações altamente sigilosas — ou quando prevista expressamente em lei. Fora desses casos, a prática é abusiva e potencialmente indenizável.
Riscos concretos para as empresas
O cumprimento cego de cláusulas contratuais que exigem antecedentes criminais abre espaço para múltiplas frentes de responsabilização. As empresas ficam expostas a ações trabalhistas individuais, nas quais empregados podem pleitear indenização por dano moral; à atuação do Ministério Público do Trabalho, com a instauração de inquéritos civis ou ajuizamento de ações civis públicas; à nulidade contratual da cláusula abusiva, que fragiliza a relação comercial; e ainda a sanções administrativas da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), pela violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no tratamento de dados pessoais. Trata-se de um risco transversal, que atinge desde pequenas empresas fornecedoras até grandes corporações.
A LGPD e a proteção de dados pessoais
A LGPD impõe parâmetros rigorosos e inafastáveis para o tratamento de informações pessoais, especialmente quando relacionadas à esfera mais íntima do indivíduo, como registros criminais. A exigência genérica de antecedentes viola diretamente os princípios da necessidade, finalidade, proporcionalidade e segurança, pilares da legislação.
Mesmo o consentimento do trabalhador não é suficiente para legitimar a prática, já que a própria LGPD reconhece a fragilidade desse consentimento em relações marcadas pela subordinação (art. 8º, §5º). Dessa forma, ainda que a empresa obtenha anuência formal do empregado, continuará sujeita a responsabilização administrativa e judicial.
Caminhos para uma estratégia segura
Conciliar exigências contratuais legítimas com a proteção dos direitos fundamentais do trabalhador demanda estratégia jurídica precisa. Entre as medidas recomendáveis estão: negociar cláusulas contratuais para limitar a exigência apenas a funções de risco comprovado; formalizar responsabilidades, deixando registrado quando a exigência partir da contratante; implementar protocolos internos de compliance que assegurem sigilo, acesso restrito e descarte adequado das informações; e análise individual de cada caso, evitando dispensas automáticas e prevenindo práticas discriminatórias. Essas ações não apenas reduzem riscos, mas também fortalecem a imagem institucional da empresa como comprometida com a legalidade e com boas práticas de governança.
Compliance não pode virar passivo
No atual cenário de negócios, marcado por forte escrutínio sobre responsabilidade social, ética e governança, empresas não podem permitir que medidas aparentemente preventivas se transformem em verdadeiros passivos jurídicos. A exigência indiscriminada de antecedentes criminais é um exemplo claro de como o excesso de zelo pode se converter em risco.
O caminho mais seguro é alinhar contratos e políticas internas à jurisprudência trabalhista e às diretrizes da LGPD, restringindo a prática a casos realmente justificáveis. Ao adotar essa postura, a empresa protege-se de litígios, evita sanções e reforça sua imagem como organização ética, responsável e competitiva — atributos indispensáveis em um mercado cada vez mais exigente.
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