A recente aprovação do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital) – Lei 15.211/25 – representa um avanço necessário diante da crescente exposição de crianças e adolescentes aos riscos do ambiente virtual. Prevista para entrar em vigor em março de 2026, a nova legislação busca coibir práticas de violência digital — desde o assédio em redes sociais até abusos em jogos eletrônicos. A criação de um órgão fiscalizador próprio, com poder para aplicar multas que podem chegar a R$ 50 milhões, sinaliza a seriedade com que o tema será tratado.
No entanto, entre a boa intenção do legislador e a efetiva aplicação das normas, há um caminho complexo a ser percorrido. A implementação prática da lei exigirá diálogo, planejamento e cooperação intersetorial. E é nesse ponto que as organizações da sociedade civil podem e devem ter papel decisivo.
Participei recentemente no Congresso Intercontinental de Direito Civil, realizado em Natal, no Rio Grande do Norte, e ficou claro que o desafio vai muito além da criação de novas regras. As empresas fornecedoras de produtos e serviços destinados ao público infantojuvenil precisarão revisar processos internos, políticas de segurança e modelos de negócio. Será indispensável envolver departamentos jurídicos e financeiros para prever os custos e impactos das novas obrigações — que incluem mecanismos de verificação de idade, controle de tempo de uso, monitoramento de interações e canais de denúncia.
A lei também impõe responsabilidades diretas aos pais e responsáveis, que passam a ter o dever legal de orientar e supervisionar o uso da internet por seus filhos. Esse aspecto requer uma ampla campanha de conscientização pública, coordenada pelo poder público e com o apoio de ONGs especializadas em proteção infantil e direitos digitais. Afinal, de pouco adiantará uma legislação rigorosa se as famílias não compreenderem seu papel na construção de um ambiente digital seguro.
Outro ponto relevante é que a norma prevê que, em caso de negligência das empresas e consequente ocorrência de abusos, estas deverão oferecer políticas de apoio às vítimas e programas educativos. Isso exigirá regulamentação detalhada — e novamente, a colaboração entre governo, setor privado e sociedade civil será essencial para garantir que esses programas sejam efetivos e não meramente formais.
O ECA Digital nasce em um momento histórico em que a fronteira entre o real e o virtual se torna cada vez mais tênue. Para cumprir sua missão, precisará de algo que vai além de decretos e fiscalizações: precisará de engajamento social e corresponsabilidade coletiva. As ONGs têm experiência prática, capilaridade e legitimidade para contribuir nesse processo — seja na educação digital de famílias, na formação de profissionais ou no apoio a vítimas.
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A lei é um marco, mas sua eficácia dependerá da capacidade do país em transformá-la em instrumento vivo de proteção, diálogo e transformação cultural. Esse é o verdadeiro desafio que começa agora.
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