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É negra, presidente da ONG Instituto Oportunidade Brasil (IOB)

'É só isso mesmo que posso ser?' Mulheres negras e o direito de querer mais

Neste 25 de Julho, não queremos palmas. Queremos portas abertas

  • Verônica Lopes de Jesus É negra, presidente da ONG Instituto Oportunidade Brasil (IOB)
Publicado em 25/07/2025 às 14h21

“É só isso mesmo que posso ser?” 

Te convido a fazer uma pausa e observar à sua volta. Quem são as mulheres que estão sempre por perto, mas quase nunca no centro? Nos restaurantes, nas escolas, nos corredores das empresas, cuidando, servindo, limpando. Muitas vezes, dentro da sua própria casa. Quem são elas? Qual é a cor dessas mulheres?

Segundo o IBGE (2022), 61% das trabalhadoras domésticas no Brasil são mulheres negras. Elas também estão entre as principais ocupações de cuidado e limpeza: cozinheiras, auxiliares, atendentes, cuidadoras. Ocupações marcadas por baixa remuneração, alta informalidade e invisibilidade social.

Mas será que escolheram esse caminho ou foram levadas a ele por falta de alternativas — pela pobreza, pelo racismo, pela ausência de políticas públicas que garantam acesso à educação e a outros futuros possíveis?

Dados do Ipea (2023) mostram que 47% dos lares chefiados por mulheres negras vivem com menos de um salário mínimo per capita. Muitas são mães solo, enfrentando jornadas duplas ou triplas. E, ainda assim, resistem.

Não há vergonha em trabalhar com limpeza ou cuidado. O que é inaceitável é acreditar que esse seja o único destino possível para essas mulheres.

A escritora nigeriana Chimamanda Adichie nos alertou sobre o “perigo da história única”. No Brasil, essa história contada sobre as mulheres negras é quase sempre a mesma: a da força, da resiliência, da doação.

Mas e os sonhos? Quem ensinou a elas — ou permitiu que acreditassem — que também podem ser líderes, cientistas, escritoras, executivas?

Uma pesquisa de 2024 do Pacto Global da ONU e 99jobs confirma o que a realidade já mostra: 81% das empresas brasileiras têm, no máximo, 10% de mulheres negras em cargos de liderança. Outros dados relevantes: 57% das líderes negras são as únicas em seus espaços de poder e elas só chegam a cargos de liderança entre 36 e 44 anos, enquanto homens brancos os ocupam entre 25 e 28 anos.

Esses dados são mais do que números. São provas de um sistema que precisa promover igualdade de oportunidades.

De acordo com o IBGE, apenas 17,2% das mulheres negras têm ensino superior completo, contra 30,3% das mulheres brancas. A evasão escolar entre meninas negras é maior por causas como maternidade precoce, trabalho informal e falta de políticas de permanência.

É nesse contexto que o 25 de Julho — Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha — ganha relevância. Criado em 1992, a data dá visibilidade às lutas dessas mulheres contra o racismo, o sexismo e a desigualdade estrutural. No Brasil, homenageia Tereza de Benguela, liderança quilombola e símbolo de resistência.

Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, Julho das Pretas
Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. Crédito: Freepik

O que fazer diante dessa realidade e da responsabilidade, que é coletiva? Precisamos fortalecer políticas afirmativas e de acesso à educação e liderança para mulheres negras; incluir raça e gênero como eixos centrais nas ações de diversidade; garantir a permanência e ascensão dessas mulheres em espaços de poder; e produzir e divulgar dados com recorte de raça e gênero para orientar políticas públicas e privadas.

Mulheres negras não são apenas força e cuidado. São também inteligência, estratégia, potência e liderança.

Neste 25 de Julho, não queremos palmas. Queremos portas abertas — e que nunca mais a gente se pergunte: “É só isso mesmo que eu posso ser?”

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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