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Luciana é advogada, sócia-fundadora do Mattar Vilela Advogados. Telmo é presidente-executivo da Abespetro, Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo

Do pau-brasil ao pré-sal: como superar o ciclo colonial da commoditização?

Historicamente, não conseguimos desenvolver internamente as tecnologias associadas às nossas riquezas naturais. Exportamos pau-brasil, mas não produzimos tinturas. Exportamos café, mas não nos tornamos referência em equipamentos de torrefação

  • Luciana Mattar Vilela Nemer e Telmo Ghiorzi Luciana é advogada, sócia-fundadora do Mattar Vilela Advogados. Telmo é presidente-executivo da Abespetro, Associação Brasileira das Empresas de Bens e Serviços de Petróleo
Publicado em 14/05/2025 às 11h38

Há exatos 525 anos, o Brasil iniciou sua trajetória econômica com a exploração do pau-brasil. O modelo foi simples: extrair, exportar, esgotar. Esse padrão fundacional deixou marcas na forma como o país estrutura sua economia, sempre centrado na exportação de recursos naturais brutos, com raras iniciativas de agregação de valor no território nacional.

O mais preocupante, porém, não é a repetição desse modelo. É sua persistência, mesmo diante de oportunidades históricas que poderiam alterar esse destino. O Brasil já percorreu esse ciclo com o açúcar, o algodão, a borracha, o café, a soja e o minério de ferro. Agora, após décadas de dependência tecnológica, nos tornamos também exportadores de petróleo.

A pergunta que se impõe é: repetiremos o ciclo do pau-brasil, agora com uma commodity energética?

Historicamente, não conseguimos desenvolver internamente as tecnologias e os maquinários associados às nossas riquezas naturais. Exportamos pau-brasil, mas não produzimos tinturas. Exportamos café, mas não nos tornamos referência em equipamentos de torrefação. Mesmo na exploração do petróleo, por muito tempo importamos os sistemas que viabilizavam a extração do óleo bruto do subsolo marinho.

Esse cenário, contudo, começa a apresentar inflexões relevantes. Pela primeira vez, o Brasil rompe parcialmente o ciclo da dependência industrial ao figurar entre os poucos países do mundo com capacidade de fabricar a chamada árvore de Natal submarina — equipamento de altíssima complexidade tecnológica utilizado na extração de petróleo em águas profundas.

Com dimensões que podem chegar a 20 metros de altura e peso de até 80 toneladas, cada unidade é projetada para operar por até 30 anos a profundidades superiores a 2 mil metros, com elevada confiabilidade.

Sua sofisticação é tamanha que apenas um grupo restrito de países domina plenamente essa tecnologia.

E o Brasil não apenas fabrica também exporta. Estima-se que, apenas para a Guiana, as exportações brasileiras em equipamentos de apoio à indústria de petróleo e gás tenham ultrapassado a casa do bilhão de dólares nos últimos anos, com destaque para os US$ 384 milhões registrados em 2024, parte significativa deles classificados, de forma grotescamente genérica, como “torneiras, válvulas e cubas” no sistema da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).

Esse dado evidencia duas fragilidades: uma de política econômica e outra de política externa.

No plano interno, ainda carecemos de clareza sobre o valor real dos bens que produzimos e comercializamos. No plano externo, nem sequer firmamos acordos bilaterais que consolidem nossas vantagens competitivas em mercados emergentes. Não há, por ora, uma política específica de exportação de bens de capital de alta complexidade para a Guiana, Suriname ou Namíbia — países que já manifestaram interesse não apenas em nosso petróleo, mas em nossas plataformas, nossos sistemas e nossa engenharia.

Plataforma de exploração de petróleo
Plataforma de exploração de petróleo. Crédito: Agência Petrobras

Estamos diante de uma janela de oportunidade que não pode ser desperdiçada. O mesmo raciocínio vale para as fontes renováveis. O Brasil, com apenas 2% de carvão em sua matriz energética, poderia — deveria — liderar a produção e exportação de turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos ambientalmente sustentáveis. Em vez disso, seguimos importando esses equipamentos da China, cuja matriz energética ainda depende majoritariamente do carvão.

O desafio, portanto, não é tecnológico. É político e institucional. Exige romper com o modelo mental da commoditização colonial e formular uma política de Estado que contemple:

– Diplomacia econômica ativa, com acordos bilaterais voltados à exportação de bens industriais de alta complexidade;

– Revisão das estatísticas de comércio exterior, para refletir com precisão o valor agregado real dos produtos exportados;

– Estímulo à cadeia produtiva interna, com investimentos em pesquisa, desenvolvimento e incentivos à indústria de base tecnológica nacional;

– Criação de hubs industriais energéticos, voltados à produção de equipamentos para energia renovável, com base no nosso diferencial ambiental.

Se não formos capazes de consolidar essas medidas, repetiremos o destino do pau-brasil, encerrando o ciclo do petróleo da mesma forma: com riquezas extraídas aqui e transformadas em valor... lá fora.

O Brasil pode mais. Já demonstra que sabe mais. Resta saber se terá a coragem política de transformar esse saber em soberania tecnológica e protagonismo global.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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