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É arquiteta, urbanista e presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Espírito Santo (CAU-ES)

Do BNH à Athis: moradia, pertencimento e o papel do arquiteto

Neste Dia Nacional da Habitação, a reflexão é clara: habitar não é apenas possuir um imóvel, mas ocupar um espaço de formação, pertencimento e dignidade. E isso deve incluir quem planeja, constrói e cuida da cidade

  • Priscila Ceolin É arquiteta, urbanista e presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Espírito Santo (CAU-ES)
Publicado em 21/08/2025 às 17h02

O Dia Nacional da Habitação, celebrado em 21 de agosto, remonta à Lei nº 4.380/1964, que criou o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e instituiu o Banco Nacional da Habitação (BNH). Essa foi uma das primeiras tentativas de dar corpo a políticas habitacionais isoladas e impulsionar o acesso à casa própria. Ainda assim, os resultados foram limitados: moradias padronizadas, distantes dos centros urbanos e com infraestrutura precária, muitas vezes formando bolsões vulneráveis.

A Constituição de 1988 reconheceu a moradia como direito social e lançou o desafio de criar políticas mais integradas e inclusivas. O programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) levou milhões de famílias à casa própria, mas permaneceu centrado em construções novas.

A exceção foi a modalidade “Entidades”, voltada a associações que constroem moradias para famílias da chamada faixa 0, ou seja, sem renda. Essa modalidade ampliou o acesso à habitação para quem mais precisa e, em algumas situações, aproveitou imóveis existentes ou abandonados nos centros urbanos, oferecendo alternativas importantes dentro do contexto estabelecido.

Violência contra mulher: Vítimas poderão solicitar aluguel social
Violência contra mulher: Vítimas poderão solicitar aluguel social. Crédito: Reprodução: Pexels

Começamos a compreender que habitar com dignidade não se resume a erguer paredes, mas a garantir saúde, conforto e pertencimento. Nesse sentido, a Lei 11.888/2008 instituiu a Athis — Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, uma política fundamental: ela coloca arquitetos e engenheiros a serviço das famílias com menos recursos, oferecendo projetos e acompanhamento de obras capazes de transformar casas em lares seguros e humanos.

Esse caminho político reflete o profundo sonho brasileiro da casa própria. Pesquisas mostram que 93% das pessoas que vivem de aluguel ou em imóveis cedidos ainda desejam ter um lar próprio, acreditando que isso melhora diretamente a qualidade de vida e a autoestima. Esse desejo não se limita às famílias de baixa renda: a classe média — da qual muitos arquitetos e urbanistas fazem parte — também enfrenta desafios como altos aluguéis, insegurança e limitações de renda, para realização deste sonho.

É nesse ponto que entra a urgência de refletir o arquiteto e urbanista não apenas como executor, mas como agente central de transformação social — e, ao mesmo tempo, como parte da população que também anseia por uma moradia para chamar de sua.

No Espírito Santo, o projeto Territórios em Foco (CAU/ES) mostra que isso é possível na prática: profissionais vão a campo, visitam moradias autoconstruídas, identificam problemas invisíveis — falta de ventilação, umidade, iluminação inadequada — e são capazes de propor melhorias acessíveis e de impacto real no cotidiano das famílias.

Além de transformar realidades, iniciativas como essa ampliam o campo de atuação dos profissionais, criando um círculo virtuoso em que sociedade e arquitetura avançam juntas.

Neste Dia Nacional da Habitação, a reflexão é clara: habitar não é apenas possuir um imóvel, mas ocupar um espaço de formação, pertencimento e dignidade. E isso deve incluir quem planeja, constrói e cuida da cidade — especialmente os arquitetos que também sonham com um lar digno. O CAU deve ser esse espaço de acolhida e ação, onde arquitetos tenham visibilidade e voz — pois transformar cidades também significa transformar vidas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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