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É associado trainee do Instituto Líderes do Amanhã

Devemos estar sempre atentos aos assédios à nossa liberdade

A característica que mais distingue um país livre de um país submetido a um poder arbitrário são as definições claras das possibilidades de ações do governo e as limitações de poderes, ou seja, a definição do Estado de Direito

  • Rodrigo Lorenzoni É associado trainee do Instituto Líderes do Amanhã
Publicado em 19/07/2021 às 02h00
democracia
É importante a sociedade estar sempre atenta para pequenas coerções, perdas de liberdade e atentados à democracia,. Crédito: pixabay

Friedrich Hayek, em sua obra "O caminho da Servidão", demonstra, com muitos detalhes e com bastante critério, os aspectos de sistemas coletivistas, se utilizando do socialismo como principal exemplo em cenários dos séculos XIX e XX na Europa, quando houve grande propagação dessa filosofia política. Além de evidenciar a ineficácia da planificação da economia, proposta por tais sistemas, Hayek nos mostra que a tentativa de planificação só é possível com o uso de poderes centralizadores.

Tais poderes necessitam de total arbitrariedade, já que, para se manterem no comando, devem ignorar e reprimir as opiniões dos indivíduos. Esses, por sua vez, se tornam cada vez mais dependentes de tal sistema e podem passar a inclusive defendê-los, não pelo fato de não lutarem por sua liberdade, mas pelo medo de perderem a sua segurança em uma sociedade em que a servidão a um grande líder garante a sua estabilidade, quando não a sua própria vida.

Trazendo para o contexto histórico da Europa do século XIX, tivemos a Itália, Rússia e Alemanha como países que, antes do surgimento de sistemas totalitários, tinham aspectos muito semelhantes aos países do ocidente, que, por sua vez, triunfaram caminhos do liberalismo. De acordo com Hayek, durante 25 anos antes do totalitarismo se tornar uma ameaça real, as sociedades foram se afastando progressivamente das ideias originais de liberdade que ergueram a civilização ocidental.

Com o progresso e a elevação do padrão de vida, a humanidade passou a não tolerar mais certos níveis de pobreza. Apesar de essa ambição ser um aspecto positivo, isso acabou gerando um efeito de que muitas pessoas não suportaram o ritmo de progresso contínuo, tendo a liberdade como motor.

Lideranças sentiram necessidade de impor este progresso a partir da autoridade e da coerção, utilizando o discurso de que toda população deveria ter acesso ao mesmo tempo à mesma quantidade de recursos. Esse movimento partiu do Leste da Europa e foi se propagando para o Ocidente, à medida que foram ganhando força. Esses fatos acabaram por enfraquecer o movimento liberal no fim do século XIX e durante o século XX.

LIBERDADE DISTORCIDA

A força do movimento socialista nessa época teve como bandeira a liberdade, mesmo que fosse uma ideologia totalmente contrária ao liberalismo. Para isso, conseguiram distorcer o sentido da palavra liberdade, alterando o seu entendimento de liberdade individual para uma liberdade em que os indivíduos fossem alheios e sem responsabilidades pelo progresso, sendo apenas forças de trabalho, meros agentes ou números neste sistema.

A grande utopia desse sistema coletivista é que a centralização do poder retira a variedade de objetivos individuais, pondo em seu lugar a uniformidade e, para que este sobreviva, cada vez mais, é necessário autoridade e repressão das vontades humanas. Como cita Hayek, o Fascismo, ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por poder ditatorial, é o estágio atingido depois que o comunismo se revela uma ilusão.

Os socialistas defendem uma planificação da produção, e essa passa a ser orientada para o consumo, e não mais para o lucro, como é na sociedade liberal. O conceito de planejamento atinge popularidade, pelo fato de prometer segurança e previsibilidade, quanto à distribuição de recursos. O problema é que essa planificação é de uma complexidade inalcançável, pois deve prever toda a demanda e direcionar a produção para que atenda de forma igualitária, considerando cenários de tempo, alteração de demanda, geografia, entre outros.

A ideia de um plano único torna as necessidades da sociedade uma lista de prioridades a ser ordenada de forma arbitrária pelo planejador ou governo. Percebe-se, nesse ponto, o tamanho do poder que teria este planejador, cujo equívoco ou interesse pode penalizar uma parte da sociedade a qualquer momento.

É ilusória também a crença de que o controle apenas do campo econômico seja algo que não impacte todos os demais campos da sociedade. Alguns socialistas defendem que a economia pode ser planificada, sem que isso interfira na liberdade da sociedade, usando o discurso que o dinheiro não é tudo. Porém, vale destacar que, apesar de o dinheiro não ser todo o necessário para a felicidade das pessoas, ele é um meio para isso.

Considerar que o governo pode centralizar e direcionar esse meio, com o objetivo de tornar igualitário o acesso a felicidade, gera um forte engajamento nessa política. Entretanto, os processos, para que se tente chegar a esta distribuição, é que não são transparecidos para a grande massa que adere ao socialismo. Esses processos retiram a liberdade dos indivíduos de usarem seus recursos da melhor forma como preferirem, além de não garantir um aumento na produção mundial, para que toda a sociedade tenha acesso equitativo a esses, como seus princípios prometem.

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

A organização do trabalho também é algo a ser considerado no cenário de uma economia planificada. Para que o plano seja satisfeito, o planejador deve definir os postos de trabalho e quem são as melhores pessoas para isso, além de definir a remuneração para cada função. Fica neste ponto evidente que os critérios utilizados podem ser totalmente arbitrários, uma vez que a definição do valor justo para a função e quem a executará fica a critério de quem detém o poder.

Além disso, a liberdade das pessoas em escolher qual cargo ou função mais gosta de executar e faz melhor fica reprimida, já que tal permissividade retiraria todo o controle necessário para a execução de tal plano. Percebe-se também um esforço e custo a ser empreendido para definir e gerir esse plano, esforço esse que é reduzido a zero em uma sociedade livre com economia de mercado, na qual a própria concorrência ajusta os preços e os salários ao valor justo, de acordo com sua utilidade, através das negociações individuais.

Além disso, tal planificação remove a participação dos indivíduos na inovação e no progresso, passando essa frente a ser executada por setores específicos do governo, que certamente não possuem a flexibilidade e alcance do que teriam os indivíduos ou associações privadas livres.

O principal fator que funciona como motor para o progresso é a concorrência e ela funciona somente quando os indivíduos possuem liberdade para criar, inovar e melhorar sua produção ou serviço de forma a obter mais lucro. Esse é o principal vetor que impulsiona o progresso, uma vez que todos os indivíduos interagindo e buscando cada vez mais lucro, cada vez mais teremos evolução.

CONCORRÊNCIA LEAL

O processo de concorrência, por sua vez, não funciona em uma economia planificada. Para que a concorrência funcione e seja leal, o Estado tem as únicas funções de evitar injustiças e proteger a propriedade individual de cada um. O Estado tem papel fundamental em uma sociedade liberal, tendo esse a oportunidade de atuar na garantia da propriedade individual e na atuação somente quando a concorrência não é eficiente e o lucro não é atrativo para determinado serviço que seja essencial ou benéfico para a sociedade, principalmente em situações de elevação repentina de demandas essenciais, como em catástrofes e guerras.

Qualquer outra ação governamental que fuja dessas citadas anteriormente pode acarretar ineficiência da concorrência, como a criação de monopólios a partir de protecionismos e estímulos, e invalidando os benefícios do livre mercado de preços justos e melhoria dos serviços e bens produzidos.

A ideia de planificação não funciona nem se utilizasse para isso processos democráticos para gestão e tomadas de decisão. Considerando que em um parlamento houvesse grupos ou esferas de poder que pudessem defender as necessidades de grupos específicos da sociedade em prol de um plano econômico, essa poderia ser considerada uma saída para os que defendem a ideia do planejamento.

Porém, ainda assim, existiriam conflitos de interesses e extrema lentidão para as tomadas de decisões à medida que o plano fosse posto em execução e frequentemente haveria necessidade de tomada de decisão por um poder centralizador. Dessa forma, considerar que um processo democrático pudesse manter um sistema coletivista com economia planificada é ilusório. Além disso, o processo democrático é o que deve defender a liberdade dos indivíduos para que a maioria pudesse evitar decisões negativas e que pudesse evitar que o poder fosse levado às mãos de poucos.

LIMITES DA LIBERDADE

Segundo Hayek, a característica que mais distingue um país livre de um país submetido a um poder arbitrário são as definições claras das possibilidades de ações do governo e as limitações de poderes, ou seja, a definição do Estado de Direito. Dessa forma, os indivíduos têm condições de conhecer os limites de sua liberdade, para que não infrinjam as autonomias do Estado e dos demais indivíduos.

Isso é importante, para que consigam planejar suas atividades individuais com base neste conhecimento, tendo a segurança de que não serão reprimidos por estarem atuando em seu campo de liberdade. O Estado de Direito, estando definido em princípios de forma clara e segura, garante a igualdade dos indivíduos perante a lei e a incapacidade do governo de ser arbitrário.

Há também o tema da segurança, discutido por Hayek, e que é uma promessa dos governos socialistas. Em um sistema em que são definidos quem ordena e quem executa, percebe-se que tais seguranças são garantidas a partir de quem detém o poder. Porém, há segurança para todos até o momento em que os planos do governo mudem, alterando por exemplo a remuneração de determinados grupos.

Estes por sua vez terão pouca, ou nenhuma, liberdade para buscar algo melhor, e terão de se contentar com menos. Ou seja, apesar de uma garantia dita pelo governo, não há garantia de manutenção de seus postos, o que também não ocorre em uma sociedade livre, porém nesta o indivíduo pode escolher o que fazer quando o fato ocorrer. Dessa forma, a sua segurança no modelo de sociedade livre é de que sua liberdade não será reprimida e sua propriedade não será tomada independente do que aconteça, e isso basta.

Em consequência disso, em um sistema coletivista, existe um forte apego à segurança ou à proteção provida pelo Estado e, quando chega a um ponto em que todos preferem se manter em suas posições a revoltarem-se contra o sistema que impede a liberdade individual, a maior parte prefere a segurança à liberdade e, com isso, defende a manutenção e o poder do governo totalitário. É nesse momento que este tipo de sistema ganha maior força e as pessoas preferem ser protegidas pelo seu líder a ter liberdade de escolha.

Hayek detalha muito bem o comportamento dos sistemas coletivistas e mostra como a evolução do socialismo na Alemanha abriu caminhos para o governo totalitarista de Hitler, uma das maiores atrocidades contra a humanidade já registradas em nossa história. Ao realizar uma análise desse cenário, ele chega à conclusão de que tanto a democracia, a liberdade individual quanto o estado de direito já estavam em declínio antes da escalada ao poder pelo partido nazista. Esta conclusão deve nos despertar uma atenção e nos engajar a ficar sempre atentos para pequenas coerções, perdas de liberdade e atentados à democracia, pois são sinais de brechas para que governos totalitários, como Hitler na Alemanha, possam chegar ao poder.

Como descrito por Hayek em sua obra, e percebido em nossa história e em nossa atualidade, a defesa do socialismo tem uma aceitação muito forte pelos ideais de justiça social. É muito fácil ganhar popularidade quando se propõe resolver os problemas de pobreza e fome, que são enormes em nossa sociedade, pelo uso da planificação e distribuição equitativa de recursos. Porém, poucos nesses movimentos se atentam ou conhecem todo o processo necessário para que se tente alcançar tal justiça coletiva.

Não enxergam as consequências e necessidade de remoção da liberdade individual, redução do progresso e uso da força e coerção. Ou seja, o que se promete com tais ideologias é uma grande utopia e pode gerar efeitos colaterais catastróficos, como já vistos em nossa história. Tais movimentos trazem esta retórica de teor moral, com o único objetivo de influenciar a grande massa e alcançar o poder. O que devemos fazer, como indivíduos livres, é estar sempre atentos aos indícios e assédios à nossa liberdade, esta que tem um valor inestimável. Seria ótimo se cada vez mais pessoas pudessem ter acesso a essa obra de Friedrich Haeyek, com certeza, teríamos uma sociedade com melhores ideias e possivelmente um mundo mais livre!

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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