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Desinteresse político pela educação midiática enfraquece a democracia

Introduzir alfabetização midiática no currículo escolar é um passo que pode parecer pequeno, mas no futuro fará uma diferença enorme

  • Nadine Alves É jornalista
Publicado em 30/01/2023 às 15h40

No dia 17 de janeiro de 2023, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) arquivou o projeto de lei que previa a “Educomunicação - leitura e educação para as mídias” na grade curricular do ensino fundamental e médio nas escolas públicas e privadas da rede estadual de ensino. Em 2020, a Câmara Municipal de Vitória (CMV) chegou a debater um projeto de lei semelhante, mas também foi arquivado na época.

Em ambos os casos, o objetivo principal era incluir na rotina escolar uma disciplina que ajudasse, principalmente, crianças e adolescentes a lidar com a imensidão de conteúdos veiculados nas redes sociais, como Instagram e Facebook, e os aplicativos de mensagens instantâneas, o WhatsApp e o Telegram. As iniciativas não trariam custos aos cofres públicos, já que o ensino e até mesmo a formação de professores seriam realizadas por alunos do curso de Comunicação Social - Jornalismo, das universidades interessadas no projeto.

A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), por exemplo, possui um programa que visa educar alunos sobre como lidar com as mídias, o “Comunicaê”, vinculado ao Observatório da Mídia – grupo de pesquisa do Departamento de Comunicação da Ufes.

O duplo arquivamento dos projetos levanta questões de por que uma ideia tão importante não decolou. Um dos principais estudiosos da área, com pesquisas e livros publicados sobre o assunto, o professor emérito da Universidade de Loughborough e da Universidade de Londres David Buckingham, em uma entrevista realizada em 2020, talvez tenha a resposta para algumas dessas indagações.

Fake News - pesquisa - checagem - notícia falsa
Fake News - pesquisa - checagem - notícia falsa. Crédito: Shutterstock

Buckingham destaca que não é possível pensar a educação midiática sem alinhá-la como uma luta política. Para ele, a pauta é vista como algo pouco importante para os governos. “Os políticos, muitas vezes, falam sobre os perigos das notícias falsas e assim por diante, mas eles realmente não estão interessados em alunos aprendendo a criticar a mídia”, disse para estudantes da Universidade de São Paulo (USP) em uma conferência on-line.

O professor ainda ressalta em seus estudos que o ensino é uma arma poderosa na preparação de crianças e jovens para a vida adulta, reforçando neles a necessidade do pensamento crítico. No entanto, os líderes políticos, em sua maioria, conservadores, não incentivam, e muita das vezes, menosprezam disciplinas da área de humanas, e consequentemente, a alfabetização midiática.

Inserir a educação midiática nos currículos escolares, workshops e capacitações são formas de preparar professores e alunos sobre como lidar com a mídia. Esse ensino poderia trazer temas como: fake news e como identificá-las; teorias conspiratórias; o papel do jornalismo, entre outros assuntos. Pode parecer um passo pequeno, porém prepara crianças para um mundo cada vez mais conectado e saturado por conteúdos, com informações que chegam a todo instante.

Os dois projetos de lei que foram arquivados seriam uma luta contra a desinformação e poderiam ter se tornado um modelo a ser seguido por outros estados do Brasil. As redes sociais têm sido alvos de investigações para entender o crescimento e a organização de associações de extrema direita. E, atualmente, grupos em WhatsApp e Telegram são investigados com o intuito de descobrir os financiadores do ato terrorista, que aconteceu no dia 8 de janeiro, em Brasília, na sede dos Três Poderes.

Descobrir e punir as engrenagens que fomentam e alimentam a proliferação de conteúdos de desinformação que já estão aí é importante, no entanto, para que o Brasil consiga caminhar para o fortalecimento democrático, precisará fortalecer suas instituições e apostar na prevenção. Introduzir alfabetização midiática e a cultura de confiança na imprensa pode ser o começo disso. Apostar na educação nunca é um gasto. É um investimento.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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