Não há problema algum em ser conservador na religiosidade. Amar o rito, o sacramento, a ordenança, a liturgia. Muitos cristãos, ao longo da história, encontraram no sagrado da forma e na beleza do culto tradicional o alimento necessário para uma fé profunda, comprometida e transformadora.
O problema começa quando o zelo pelas formas se transforma em indiferença diante das dores do mundo. Quando a ortodoxia substitui a misericórdia. Quando a tradição vira desculpa para negar o essencial do Evangelho: a justiça, a compaixão, a solidariedade concreta com os que sofrem.
A fé cristã não é neutra diante do sofrimento. O Cristo crucificado nos ensina que não há espiritualidade legítima que ignore os crucificados da história.
Padre Júlio Lancelotti é um exemplo vivo disso. Conservador na liturgia, no afeto pelo sagrado, mas radical no amor que pratica junto aos empobrecidos, encarcerados, perseguidos.
Thomas Merton, monge trapista, mesmo recolhido num mosteiro, ergueu a voz contra a guerra, a injustiça e as armas nucleares, sem jamais abandonar a tradição contemplativa.
No campo protestante, Dietrich Bonhoeffer enfrentou o nazismo, pagou com a própria vida por não trair o Evangelho. Martin Luther King Jr. pregava nos moldes da tradição batista, mas suas palavras incendiaram consciências contra o racismo, a guerra do Vietnã e a pobreza estrutural.
Não se trata de uma disputa entre conservadorismo e progressismo. Trata-se de fidelidade ao Cristo vivo.
O massacre do povo palestino, as guerras, a fome e a exclusão deveriam comover e mobilizar todos os que professam a fé cristã. Não é uma questão política: é uma exigência do amor.
Ser cristão é carregar a cruz — não os símbolos do poder que a fincaram no Gólgota.
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