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É jornalista e consultor em comunicação

Comunicação na IA exige cada vez mais cooperação, criatividade e conhecimento

No plano individual, nos restaria buscar conhecimento, investir na educação midiática, usar a criatividade e retomar a capacidade de comunicação e de cooperação com o outro, sabendo ouvir e, quem sabe, admitindo rever conceitos

  • André Hees É jornalista e consultor em comunicação
Publicado em 10/08/2025 às 10h00

O historiador Yuval Harari sustenta em seus livros que a humanidade evoluiu ao longo dos milênios graças principalmente à sua enorme capacidade de comunicação. Há 70 mil anos, a comunicação foi fundamental para mobilizar um grande número de pessoas em torno da caça, o objetivo comum da época: quanto mais produtivo o resultado, mais pessoas poderiam ser alimentadas.

Os agrupamentos de humanos e demais primatas originalmente se limitavam a 150 indivíduos. Os chipanzés continuam assim. Só nós conseguimos evoluir para nações e para uma comunidade global de 8 bilhões de pessoas, com base em três grandes mitos, construídos a partir dessa notável capacidade de interação ou intersubjetividade: são eles religião, governo e dinheiro.

Essa ideia central está nos livros "Sapiens" e "Homo Deus" e está também na base da mais recente obra de Harari: “Nexus – Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial”.

Da caça e coleta para o mundo digital contemporâneo, tivemos pelo menos três grandes saltos: a Revolução Cognitiva, há 70 mil anos, com a invenção de barcos, lâmpadas a óleo, arcos e flechas; a Revolução Agrícola, há 12 mil anos, quando dominamos a agricultura, possibilitando o surgimento de vilas e depois cidades e instituindo a noção de propriedade e a preocupação com o futuro; e finalmente a Revolução Científica, iniciada há 500 anos, com o período do Renascimento até os dias de hoje, num processo profundamente acelerado com Internet.

Pela primeira vez ao longo de tantos milênios a comunicação entre humanos passa agora a interagir com um ente não humano: a inteligência artificial. Harari afirma que a IA não é uma ferramenta, é um agente capaz de gerar conteúdo e de tomar decisões.

Não se trata de temer que o mundo será dominado por máquinas, como nas obras de ficção. Mas de reconhecer que os algoritmos já determinam a forma como interagimos nas redes e mesmo fora delas: a lógica das redes migrou para a política, e no momento parece difícil escapar da polarização.

As redes exploram os sentimentos de raiva e medo para prender a nossa atenção. A polarização afetiva torna o diálogo quase impossível. Como sair da armadilha?

Em resumo, diz Harari no novo livro:

“O surgimento da IA instaura um perigo mortal à humanidade, não por causa da malevolência dos computadores, mas por causa de nossas próprias falhas. A civilização humana está ameaçada por armas físicas e biológicas de destruição em massa, mas não só. A civilização também pode ser destruída por armas de destruição social em massa, como estórias que corroem nossos vínculos sociais. Uma IA desenvolvida num país poderia ser usada para desencadear uma enxurrada de fake news, de dinheiro falso e de falsos humanos, de tal forma que as pessoas em inúmeros outros países perderiam a capacidade de confiar em qualquer coisa ou em qualquer pessoa”.

Inteligência artificial
Em seis anos teremos uma “super inteligência artificial” que será superior à soma de todas as inteligências humanas. Crédito: Shutterstock

Aqueles três grandes mitos que sustentam a civilização – religião, governo e dinheiro – só existem por causa da cooperação e da confiança que depositamos em nossas relações. O surgimento de computadores capazes de tomar decisões por conta própria altera a estrutura fundamental da nossa rede de informações. Não é pouca coisa.

Assustados com a ameaça das armas nucleares na Guerra Fria, Albert Einstein, Bertrand Russell e diversos outros cientistas e pensadores publicaram um manifesto em 1959, em que pediam aos líderes das democracias e das ditaduras da época que cooperassem na prevenção de uma guerra nuclear: “Apelamos como seres humanos a seres humanos. Lembrem sua humanidade e esqueçam o resto”. Harari sugere algo parecido, com a regulamentação da IA.

No plano individual, nos restaria buscar conhecimento, investir na educação midiática, usar a criatividade e retomar a capacidade de comunicação e de cooperação com o outro, sabendo ouvir e, quem sabe, admitindo rever conceitos. Ruy Barbosa dizia que só os burros não mudam de opinião. Chamado de incoerente, Carlos Lacerda dizia que, pelo contrário, era muito coerente: mudava de ideia toda vez que encontrava uma melhor.

Houve um tempo em que o adversário político não era inimigo e podia eventualmente virar aliado. O próprio Lacerda se uniu aos antigos adversários JK e Jango, em 1966, na Frente Ampla contra a ditadura militar, representando todo o espectro da política da época, direita, centro e esquerda, respectivamente – os três morreriam entre agosto de 1976 e maio de 1977, muitos dizem que foi atentado, mas isso é outra história.

Ano que vem tem eleição. Saberemos ouvir o outro lado? Quais são os maiores problemas do Brasil hoje? A consolidação da democracia? O equilíbrio fiscal? A desigualdade? Estaremos atentos às eleições para deputado e senador? O eleitor saberá conversar numa reunião de família ou na mesa do bar sem descambar para a cadeirada? Muitos políticos apostarão na polarização irracional, outros buscarão um debate mais lúcido, mas isso também é outra história. Nos restaria no momento saber ouvir e prestar atenção na mensagem de cada um.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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