Falar sobre o feminicida a partir de uma perspectiva emocional e psíquica pode soar desconfortável. É a visão diagnóstica na penumbra.
Justificar o injustificável, transformar a barbárie estrutural em um problema individual não é a intenção aqui.
O feminicídio, talvez, não seja expressão de força, mas de falência. Não é superioridade — é colapso, carência absoluta, visceral, quase patética.
Nítida agonia de quem nunca aprendeu a se sustentar emocionalmente e exige que ela, a mulher, seja muleta, espelho, oxigênio, teatro, cura, sentido. Quando ela recusa esse papel, ele implode. E explode para fora — sobre ela.
Algo comum no cotidiano da existência humana: relacionamentos começam e acabam. Trata-se de compreender como essa masculinidade, cultivada desde cedo, vazia, acaba respondendo com ódio e violência àquilo que deveria ser apenas uma experiência de passagem: a cisão, o corte, o rompimento. Assumimos a parte crua e devastadora dos términos — mas, ainda assim, os términos são passíveis de compreensão e continuação para uma redenção avistável e desejável. Ou pelo menos deveria ser assim.
Ao vivenciar ser contrariado como humilhação, age como quem encena uma ficção de abandono catastrófico.
A liberdade da mulher, de qualquer pessoa, é conferida como direito humano e ético, de ir ou vir.
A mulher, ao deixar de ser a guardiã de um homem frágil disfarçado de muralha intocável, não apenas o abandona — o expõe.
Sua autonomia é intolerável porque desmascara a debilidade dele, que a vê partir.
Esse tipo de homem é um sujeito à deriva de si, com uma arquitetura sentimental falida. Sua violência é o que sobra. Ele não mata porque é soberano — mata porque está desfeito, poroso, sem consistência. Mata por falta de pilares estruturais em seu mundo invisível.
A armadilha é: não se trata apenas de exercer poder — mas de não suportar perder o pouco controle simbólico que ainda lhe resta.
Uma criança ressentida, aprisionada em um corpo adulto, que não elabora o fato de ser contrariada. Uma grande explosão reativa. Bem nítido em personas regredidas. Posto que o ser maduro encara, suporta, se autodesafia e transforma, dá um passo além, abraça a realidade e segue!
Uma masculinidade que carece ser instruída para absorver o luto do vínculo e ser destronada de sua fantasia do macho inabalável.
Essa é a engrenagem silenciosa da cultura que forma o feminicida: o culto ao controle, o silêncio em torno da dor, a glorificação da dureza.
Ensina-se o menino a não ceder. Ensina-se que amar é possuir, que desejo é direito, que fim é ameaça.
Interromper o ciclo do feminicídio exige mais do que punição. Exige mexer na fundação afetiva do sujeito masculino, desmontar essa máquina de criar homens que só sabem existir pela força. Trata-se de reconstruí-los — emocional, ética e simbolicamente.
É questionar o trono fálico.
Ensinar que liberdade não é ofensa. Que o outro não lhe é um ser servil. E que amar — nunca — é matar.
O verdadeiro desafio é formar um homem que aprenda a habitar o próprio desamparo, que encare o labor silencioso de metabolizar frustrações, sustentar perdas e não converter a negativa do outro em sentença de condenação, de extinção.
Que saiba permanecer íntegro mesmo quando não é escolhido. Que não precisa aniquilar o outro para manter a sua própria existência. Isso sim é grandeza!
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