Temos assistido perplexos e indignados a um aumento nos casos de violência nas escolas. Como de praxe, em momentos de incerteza e comoção, somos bombardeados por informação e opiniões por todos os lados. Como sociedade, não podemos ser conduzidos pelo nosso sistema nervoso simpático em modo luta ou fuga. Esse mecanismo presente em nossos corpos desde nossos ancestrais existe para nos preparar para lidarmos com ameaças imediatas.
Passado o risco de vida iminente, adquirimos ao longo de milhares de anos a capacidade de ativar mecanismos mais complexos e evoluídos para resolver problemas cotidianos. Portanto, tomadas as medidas imediatas voltadas para a melhoria na segurança nas escolas, cabe à toda a sociedade o aprofundamento nas reflexões e debates acerca do fomento da cultura da paz, na escola e fora dela.
A escola é uma das tantas instituições presentes na sociedade. Assim como nós, seres vivos, pertencemos a este planeta (não o possuímos, como muitos de nós querem crer), a escola pertence à sociedade na qual está inserida em tempo e espaço. Se estamos vivendo em uma sociedade de posições extremadas e de pouco diálogo, a escola inevitavelmente sofrerá desses extremos. Muitos dos conflitos vivenciados pelas crianças e jovens tem início fora do ambiente escolar.
A recíproca também é verdadeira: conflitos iniciados na escola se estendem para além dos muros por meio das redes sociais cada vez mais usadas pelos alunos. Em um mundo pré-internet, ao trocarmos de ambiente social, tínhamos mais opções de nos desconectarmos de conflitos preexistentes e vivenciarmos novas experiências sociais. Portanto, não basta apenas debatermos medidas de vigilância ou proteção física. Precisamos ir além do que está visível aos olhos.
Entramos no ambiente escolar. Como o aluno passa as preciosas horas letivas de seu dia? Segundo Yves de La Taille, psicólogo professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, “o essencial não é o aluno receber informações ou ler textos que possa entender; o essencial é que entre em contato com coisas que despertem nele a vontade de se alçar a um nível superior”.
Em um mundo cada vez mais interconectado e com informação e conteúdo disponíveis na palma da mão, submeter uma criança ou jovem a um modelo de repetição ou memorização é perder uma grande oportunidade de oferecer ao aluno experiências de aprendizagens mais significativas. Aprendizagens significativas geram prazer obtido por meio de esforço, investigação e conquistas. Esse prazer em muito difere do prazer obtido pelas descargas de dopamina advindas do uso excessivo de telas e redes sociais.
Escolas que vão além do modelo arcaico de salas de aula centradas no professor e com foco em repetição e memorização, que usam metodologias ativas e de projetos, por exemplo, possuem melhores condições de cultivar uma cultura de pertencimento. Quando se sente parte, cuida-se. De si próprio e do outro.
Saímos do ambiente escolar. Vamos para casa. A pé, de carro, de transporte escolar ou coletivo. Conversamos com quem nos acompanha? Apreciamos a paisagem? Quando as crianças chegam em casa, jantam com os pais? Fazem atividades lúdicas, esportivas ou culturais acompanhados de seus modelos adultos? Ou se recolhem ao silêncio ensurdecedor de seus quartos? Com quem e por onde andam nossas crianças e jovens ainda que estejam debaixo do nosso teto? Não cabe a nós, cidadãos de quase um quarto do século XXI, demonizarmos as novas tecnologias. Mas devemos ser usuários críticos e modelos para os mais novos, bem como sempre nos conectarmos com a nossa essência humana.
Em recente plenária para um grupo de pais na Escola Americana de Vitória, a psicóloga clínica Kathy Amorim Marcondes, ao ser questionada se era otimista ou pessimista em relação a atual geração de crianças e jovens respondeu que “as crianças e jovens de agora vão continuar evoluindo, como sempre fez toda a humanidade antes deles. Todos os obstáculos ao desenvolvimento só nos fizeram aperfeiçoar mais e novas ferramentas. Faremos isso de novo. Já por quais caminhos isso se fará, ninguém da minha geração pode assegurar.”
Durante seu bate-papo com a comunidade, por várias vezes, Kathy mencionou o afeto e o amor como poderosas ferramentas à disposição de pais e escolas na educação de seus filhos e alunos em qualquer geração. Ações resultantes de mais reflexão e menos reação, colaboração entre a escola e sua comunidade e permanente estado de conexão com o que nos constitui como seres humanos, podem ser medidas sustentáveis no fomento da cultura da paz nas escolas.
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