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É advogado, mestre em Direito Processual (Ufes)

Como a repercussão digital acelera mudanças nas leis e decisões judiciais

Esse efeito pode ser positivo, ao aproximar o cidadão do debate político e jurídico, mas também traz riscos: informações incompletas ou distorcidas podem ganhar mais espaço que análises fundamentadas

  • Paulo Vitor Faria da Encarnação É advogado, mestre em Direito Processual (Ufes)
Publicado em 16/08/2025 às 10h00

As redes sociais deixaram de ser apenas espaços de interação para se tornarem arenas onde decisões judiciais, projetos de lei e medidas governamentais ganham visibilidade imediata. Em questão de horas, um tema jurídico pode passar do anonimato à pauta nacional — e, muitas vezes, essa exposição influencia diretamente o processo legislativo e até a interpretação das leis pelos tribunais.

No Espírito Santo, fenômenos desse tipo têm se repetido com frequência, impulsionados pelos algoritmos de recomendação de plataformas como Facebook e Instagram, que privilegiam conteúdos com alto potencial de engajamento.

Do caso individual à pauta coletiva

Quando uma decisão judicial ou proposta de lei desperta forte reação social, a repercussão digital tende a ser imediata. Isso aconteceu, por exemplo, com ações coletivas contra concessionárias de energia elétrica por supostas cobranças abusivas. O tema, de alto impacto para a população, rapidamente se espalhou nas redes, levando consumidores a compartilhar relatos e pressionando órgãos de defesa e o Judiciário.

Redes Sociais/Celular
Redes Sociais/Celular. Crédito: Agência Brasil

Outro caso de grande mobilização envolve a guarda compartilhada. Alterações legislativas recentes buscam garantir equilíbrio na convivência com os filhos após a separação dos pais, mas debates acalorados nas redes — muitas vezes baseados em experiências pessoais — acabam influenciando a forma como a questão é discutida no Congresso e julgada nos tribunais.

Temas que ganham força no Espírito Santo

O debate sobre a reforma tributária é um bom exemplo de como a agenda nacional se conecta ao contexto local. Com a proposta de unificação de impostos sobre o consumo, setores estratégicos do Espírito Santo, como portos, exportação de rochas ornamentais e comércio exterior, podem ter mudanças significativas. Publicações destacando riscos e benefícios circulam intensamente, moldando a opinião pública e pressionando autoridades estaduais a se posicionarem.

A violência doméstica e o feminicídio também têm grande repercussão no Estado, que registra índices preocupantes. Casos de grande comoção social ganham destaque nas redes e mobilizam campanhas por medidas mais rigorosas e respostas rápidas do poder público. Nesse cenário, a Lei Maria da Penha e as políticas de proteção às mulheres entram no centro do debate.

O papel do algoritmo

A lógica de funcionamento das redes sociais privilegia conteúdos que geram reação imediata — seja apoio, indignação ou polêmica. Isso significa que temas jurídicos com potencial emocional elevado tendem a alcançar mais pessoas em menos tempo, independentemente de sua complexidade técnica.

Esse efeito pode ser positivo, ao aproximar o cidadão do debate político e jurídico, mas também traz riscos: informações incompletas ou distorcidas podem ganhar mais espaço que análises fundamentadas, influenciando decisões sem o devido amadurecimento.

Entre a mobilização e a segurança jurídica

A força das redes sociais como instrumento de pressão é inegável. Projetos de lei podem ter tramitação acelerada, decisões judiciais podem ganhar visibilidade e interpretações jurídicas podem se consolidar mais rapidamente. No entanto, é preciso equilibrar a legítima participação social com o respeito ao processo legislativo e ao rigor técnico das decisões.

Para que a repercussão digital contribua para o fortalecimento da democracia, é fundamental que a informação jurídica seja clara, confiável e contextualizada. Nesse ponto, imprensa, especialistas e instituições têm papel central na mediação entre o que viraliza e o que efetivamente se transforma em norma ou decisão.

Em resumo: no Espírito Santo e no Brasil, as redes sociais se tornaram um espaço onde demandas populares e questões jurídicas se encontram. Quando bem informada, essa interação pode acelerar mudanças importantes. Mas, sem cuidado com a qualidade das informações, o risco é trocar segurança jurídica por decisões apressadas — e nem sempre justas.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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