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É jornalista e escritora

Carnaval também é palco para reflexões e críticas sociais

A perseguição aos povos indígenas, um tema sempre atual, já foi denunciada por diversas escolas de samba. E é justamente sobre este assunto que quero falar, neste momento em que ainda estamos impactados pelas notícias do massacre dos Yanomamis

  • Isa Colli É jornalista e escritora
Publicado em 18/02/2023 às 00h01

Como boa capixaba de origem e carioca por adoção, tenho verdadeira paixão pelo carnaval, festa cultural carregada de tradições e simbolismos, tanto no Espírito Santo, como no Rio de Janeiro. Os dois estados têm escolas de samba que desfilam em um sambódromo. O de Vitória, chamado de Sambão do Povo, foi inaugurado em 1987, três anos depois da passarela do samba carioca. Os desfiles capixabas acontecem sempre uma semana antes do carnaval. Já os do Rio são realizados durante os dias de folia.

As agremiações apresentam na avenida os seus enredos, que são as histórias contadas através das alegorias, das fantasias e também do samba. É cada vez mais comum a escolha de temas com críticas sociais ou assuntos cotidianos que impactam na vida da população, como miséria, desigualdade, violência, opressão e intolerância religiosa.

A perseguição aos povos indígenas, por exemplo, um tema sempre atual, já foi denunciada por diversas escolas de samba. E é justamente sobre este assunto que quero falar, neste momento em que ainda estamos impactados pelas notícias do massacre dos Yanomamis.

Em 1987, a escola de samba capixaba Mocidade Unida da Glória (MUG) apresentou o enredo “Amazonas, Lendas e cobiças”, que já denunciava as queimadas e homens com moto-serras destruindo a natureza e as terras indígenas. Vejam um trecho:

“Trezentos milhões de hectares de lindos lugares. Da mais pura beleza aonde a mão da conquista já chegou... E anda destruindo a natureza com moto-serras, com queimadas e poluições. Com olho grande e segundas intenções todo mundo vê, mas ninguém se manifesta e ficam cicatrizes na floresta”.

Trinta anos depois, em 2017, a escola carioca Imperatriz Leopoldinense falou de “Xingu, o clamor que vem da floresta”. O tema provocou a ira de federações e associações voltadas ao agronegócio em Mato Grosso do Sul. As entidades publicaram, à época, notas de repúdio criticando o enredo, que alertava sobre os riscos que ameaçavam 16 etnias do Xingu e outras espalhadas pela Amazônia. O samba evidenciava, ainda, o genocídio e inúmeros conflitos armados que terminaram em mortos e feridos naquela região. Olhem a letra: “Sangra o coração do meu Brasil. O belo monstro rouba as terras dos seus filhos. Devora as matas e seca os rios. Tanta riqueza que a cobiça destruiu”.

Carnaval
Unidos da Tijuca em 2022. Crédito: Marco Antonio Teixeira/RioTur.Rio

Em 2022, outra escola do Rio, a Unidos da Tijuca, criticou o projeto de lei 191, que libera a mineração em terras indígenas. O mais revoltante é que a proposta, apresentada pelo ex-presidente Bolsonaro, ainda está tramitando na Câmara dos Deputados. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apresentou uma petição ao Ministério dos Povos Indígenas esta semana (13/2), apontando irregularidades do PL em relação a Tratados Internacionais e a Constituição Federal e pedindo o seu arquivamento. O documento destaca que a tragédia do povo Yanomami é uma evidência do prejuízo que o PL representa.

Espero que, ao trazer à tona esses enredos, possa ajudar a conscientizar os que se negam a admitir que a crise humanitária que atinge os Yanomami é, na verdade, um verdadeiro genocídio. Que o carnaval continue sendo esse espaço democrático de resistência e reflexão da vida real.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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