“Senhor, eu te amo” foram as últimas palavras de Bento XVI em sua agonia, no último 31 de dezembro. Aqui está a chave de compreensão dessa figura sem par de nossos tempos (e que leva consigo um mundo antigo do qual só vemos sombras): pela fé é possível “entendê-lo”, porque pela lógica do mundo ele foi um fracasso, tal como Cristo, que morreu como um pária social, político e religioso. Pelo amor também é possível entendê-lo, pois foi esse o tema de sua primeira Carta-Encíclica (Deus caritas est) enquanto papa.
Infelizmente, muitos dizem (inclusive católicos) que Bento XVI foi ótimo porque renunciou, mas nós afirmamos que ele renunciou porque era ótimo (o superlativo de bom, em latim – optimus/bonus); ótimo teólogo (quantos livros, quanta profundidade e agudeza espiritual e teológica em seus escritos – e há os escritos muito acessíveis, os quais até um morador de rua romano se comprazia, conforme reportagem de Ilze Scamparini), ótimo homem de oração (quantas vezes o vimos rezar, em lugares até incomuns, como numa mesquita?), ótimo pastor de almas (pela firmeza na doutrina da fé, pelo cuidado e delicadeza ao apontar “Eis o lobo!”). Cumpre aqui desfazer uma fake news: Bento XVI nunca foi nazista; quando jovem, viu os nazistas açoitarem seu pároco antes de uma missa; ademais, foi forçado a entrar na Juventude Hitlerista, como todos os jovens da época (era um esforço do regime já em decadência), desertou e voltou para casa, e logo a Grande Guerra terminava.
Como todo ser humano, Bento XVI teve suas falhas, erros e pecados. Os pecados sexuais cometidos pelo clero recaíram sobre sua responsabilidade – “a quem muito foi dado, muito será cobrado” (Lc. 12, 48). É o peso da fragilidade humana manifesto em atos e omissões. Ele mesmo, no discurso inaugural do seu papado se reconhece “instrumento insuficiente”. Em seu Testamento Espiritual (2006), pede perdão aos que prejudicou de alguma forma. Assim nasce um santo, reconhecendo-se pecador!
Se “pelos frutos reconhecereis a árvore” (Lc. 6, 44), é visível a Videira da qual as boas obras e o legado de Bento XVI testemunham: o Catecismo da Igreja Católica (enquanto era cardeal); uma geração inteira de sacerdotes católicos que abraçaram sua vocação graças ao exemplo dele (os padres novos de nossa arquidiocese de Vitória são dessa geração); católicos mais preocupados com sua formação (cientes de que fé e razão devem andar lado a lado); a “hermenêutica da continuidade” (que vê a Igreja como a mesma e uma só antes e após o Concílio Vaticano II); a formulação de leis mais rígidas e concretas contra os abusos (o próprio papa Francisco reconhece que deu continuidade a um trabalho já iniciado por seu predecessor); entre muitas outras que gastaríamos linhas sem fim para descrever.
"Grande mestre de catequese", segundo o papa Francisco (Audiência Geral de 04/01), Bento XVI apresentava ao povo fiel e ao mundo letrado uma teologia profunda e acessível, eclesial (nunca auto referencial, com teses e hipóteses da hora...), espiritual, e racional. Foi toda uma vida pela Fé, pelo Amor. E, como disse o teólogo italiano Vito Mancuso, todas as vezes que pensamos em Bento XVI e sua obra, só nos vem à mente aquela frase de Dante (Paraiso XXX, 40): "Luz intelectual cheia de amor"...
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