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É professor de Geopolítica do Centro Educacional Leonardo Da Vinci

A geopolítica não dorme: teias da guerra na Ucrânia serão sentidas por muito tempo

Há mais de uma década, a Rússia já demonstra querer participar de forma mais ativa do estabelecimento de um novo equilíbrio geopolítico

  • Joelmo Costa É professor de Geopolítica do Centro Educacional Leonardo Da Vinci
Publicado em 06/04/2022 às 02h00
O presidente da Turquia, Recep tayyip Erdogan, discursa durante negociação de delegações de Rússia e Ucrânia em Istambul.
O presidente da Turquia, Recep tayyip Erdogan, discursa durante negociação de delegações de Rússia e Ucrânia em Istambul. Crédito: Murat Cetin Muhurdar/Presidência da Turquia

A geopolítica estuda as relações entre os países e suas possíveis implicações. A atual guerra entre Rússia e Ucrânia nos faz refletir sobre os possíveis impactos relacionados à guerra. Num mundo tão interligado, as consequências de um conflito como esse pode redesenhar o tabuleiro geopolítico mundial, impactando as condições sociais, políticas e econômicas para muito além das fronteiras bélicas.

Um fato geopolítico do tamanho do que estamos vivendo tem o poder de criar ramificações capazes de moldar cenários imprevisíveis. O atentado à Nova York em 2001, por exemplo, possibilitou no mesmo ano a ocupação do Afeganistão pelos Estados Unidos e aliados e, em 2003, a invasão do Iraque por forças anglo-americanas, mesmo com a reprovação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Era a consolidação do unilateralismo americano no contexto da chamada Doutrina Bush, que também está interligado ao surgimento no Iraque do grupo terrorista Estado Islâmico.

Em 2010, o movimento denominado Primavera Árabe foi responsável pela queda de ditaduras no norte da África e pelo levante sírio em 2011, massacrado pelas forças de Bashar Al Assad, gerando uma guerra que já deslocou milhares de refugiados à Europa e, consequentemente, alimentou o discurso xenófobo e a expansão dos partidos de extrema direita naquele continente.

A atual guerra é um bom exemplo das ramificações que um fato geopolítico pode provocar, pois o que estamos presenciando é o resultado de uma teia desencadeada pelo fim da Guerra Fria. A queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1991 eliminaram a cortina de ferro que, durante 45 anos, separava a Europa Ocidental capitalista e democrática da Europa Oriental comunista e ditatorial.

A década de 90 se iniciou com o fim do Pacto de Varsóvia, aliança militar comandada pela URSS e com a Rússia recém-transformada em país, enfraquecida política e economicamente por uma crise sem precedentes. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), criada em 1949, encontrou um corredor livre para a sua expansão. Inúmeros países, antes “satélites” da URSS, como Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e República Tcheca, além das antigas repúblicas soviéticas Estônia, Letônia e Lituânia, incorporaram-se à Otan A partir de 2004, foi a vez da União Europeia se ampliar rumo à antiga área socialista.

Durante séculos, da expansão napoleônica do século XIX, passando pela tentativa da Alemanha nazista de ocupar toda a região durante a Segunda Guerra, a força militar não conseguiu dominar simultaneamente as duas regiões da Europa. Por isso, construir, de forma diplomática, a ponte militar, política e econômica entre essas duas Europas, outrora inimigas, não é apenas um ato simbólico, representa também um plano necessário para uma Europa unida e pacífica. Faltou, literalmente, combinar com os russos.

Há mais de uma década, a Rússia já demonstra querer participar de forma mais ativa do estabelecimento de um novo equilíbrio geopolítico. Na Guerra da Síria, por exemplo, fez inúmeras ações militares, sendo responsável diretamente pela manutenção do governo Assad, contrariando os interesses do mundo ocidental. A ocupação da Crimeia em 2014 e o apoio aos movimentos separatistas no leste da Ucrânia foram avisos russos de não tolerância à guinada que o país vizinho fazia para encontrar o ocidente. A Otan já faz fronteira com a Rússia pelos países bálticos, mas a Ucrânia representa a última grande barreira para o inimigo histórico bater em sua porta, e isso, definitivamente, desagrada a Rússia.

A preocupação geopolítica russa é válida, porém, não valida o ataque e a ocupação a um país independente, com soberania territorial e que tem o direito de escolher o seu próprio caminho. Daí a imensa repulsa dos países em relação à invasão russa, pois aceitar seria abrir uma janela perigosa do “pode tudo” no jogo geopolítico.

Diante do cenário que se descortina, valem algumas reflexões sobre as possíveis ramificações derivadas dessa guerra. Será que estamos acompanhando um novo desenho de ordem mundial, com a Rússia se distanciando cada vez mais do mundo ocidental e protagonizando um peso no outro lado da balança? Quais serão os impactos econômicos das sanções impostas à Rússia em outros países? Será que a guerra contribuirá para termos, no Brasil, pelo segundo ano consecutivo, inflação de dois dígitos? Como o maior país do mundo irá reagir à ajuda que a Ucrânia está recebendo da Europa Ocidental? Difícil prever, mas uma coisa é certa, as teias que surgirão dessa guerra serão sentidas por muito tempo, pois a geopolítica não dorme e a história, como sempre, transforma-se na nossa frente.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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