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É advogado na Lopes & Marques advogados e conselheiro estadual da OAB/ES

A condenação de Bolsonaro e o peso histórico para a democracia brasileira

O simbolismo dessa condenação é profundo. Ela mostra que a democracia brasileira, ainda jovem e marcada por instabilidades, é capaz de reagir e punir aqueles que atentam contra seus fundamentos

  • Alexandre Marques É advogado na Lopes & Marques advogados e conselheiro estadual da OAB/ES
Publicado em 12/09/2025 às 15h27

O Supremo Tribunal Federal condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro por crimes graves contra a ordem democrática. Entre as tipificações estão golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Trata-se de um marco sem precedentes na história republicana, que expõe a fragilidade das instituições diante de ataques internos e o quanto a democracia brasileira ainda caminha sobre terreno sensível.

A condenação de um ex-presidente eleito pelo voto direto é um evento que carrega enorme peso político e simbólico. Nunca é salutar para a democracia que um mandatário, legitimado pelas urnas, seja posteriormente condenado criminalmente. Isso revela tanto os limites do sistema quanto a necessidade de resguardar o Estado de Direito contra investidas autoritárias.

O julgamento de Bolsonaro, nesse contexto, representa não apenas a responsabilização individual, mas também a afirmação da resiliência institucional diante de investidas que buscavam subverter a ordem constitucional.

Desde a redemocratização,  presidentes eleitos diretamente enfrentaram rupturas em seus mandatos. Fernando Collor foi alvo do primeiro impeachment da história republicana em 1992. Dilma Rousseff sofreu o afastamento em 2016. Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado em processos posteriormente anulados, mas que o retiraram da vida política por anos.

Agora, Jair Bolsonaro se torna o primeiro condenado por crimes contra a própria democracia. Nesse panorama, Fernando Henrique Cardoso desponta como a única exceção: político moderado, alvo de denúncias que não prosperaram, ele conseguiu não apenas concluir seus dois mandatos, como também conduzir uma transição democrática para seu sucessor oposicionista, Lula.

O simbolismo dessa condenação é profundo. Ela mostra que a democracia brasileira, ainda jovem e marcada por instabilidades, é capaz de reagir e punir aqueles que atentam contra seus fundamentos. Ao mesmo tempo, revela um padrão preocupante: líderes eleitos e outrora populares, ao longo do tempo, acabam submetidos ao peso das condenações ou afastamentos.

Ex-presidente Jair Bolsonaro em entrevista em Brasília para a Reuters, nesta sexta-feira (18), dia operação sobre soberania nacional
Ex-presidente Jair Bolsonaro em entrevista em Brasília para a Reuters. Crédito: Mateus Bonomi/Reuters/Folhapress

Esse quadro lança luz sobre uma questão incômoda: a própria eficácia do presidencialismo em um país onde o desgaste político, a polarização e as crises institucionais parecem inevitavelmente corroer a legitimidade de seus governantes.

O caso Bolsonaro coloca em evidência um paradoxo. Se, por um lado, o julgamento é um sinal de vitalidade institucional, por outro, acende o alerta de que o sistema político brasileiro permanece preso a ciclos de crises profundas. Mais do que um episódio isolado, trata-se de um reflexo da dificuldade estrutural de consolidar a democracia em bases estáveis, onde a sucessão de lideranças se dê de forma previsível, sem rupturas traumáticas.

E talvez por isso o próprio sistema de governo precise ser repensado. O parlamentarismo costuma ser descartado pela baixa qualidade e credibilidade do Congresso Nacional, mas diante dos limites do presidencialismo de coalizão, das barganhas intermináveis e do peso crescente das emendas parlamentares, a discussão deixa de ser mero exercício acadêmico e passamos a verificar que, de fato, talvez já estejamos em um semipresidencialismo.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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