Câmeras de videomonitoramento devem ser usadas para multar motoristas?

Resolução do Contran regulamentou a aplicação de multas a distância, por meio das imagens captadas nas ruas, pelas autoridades de trânsito

Publicado em 01/05/2022 às 02h00
A central de videomonitoramento da Guarda Municipal de Itapemirim
A central de videomonitoramento da Guarda Municipal de Itapemirim. Crédito: Prefeitura de Itapemirim/Divulgação

Vigiar para punir e multar para arrecadar

Lucas Francisco Neto
É advogado criminalista e sócio do escritório Lucas Neto e Stella Mergár Sociedade de Advogados

Diante de mais uma polêmica quanto a utilização de câmeras na segurança pública trago algumas indagações: A quem interessa aumentar a quantidade de multas aplicadas pelas infrações de trânsito? Os radares fizeram os motoristas dirigirem na velocidade permitida? Nas rodovias vemos diminuições bruscas de velocidade para evitar multas? Principalmente nos aproximando de um aparelho eletrônico de monitoração? Será diferente com as câmeras?

Creio que, infelizmente, a simples proibição não soluciona problemas. Mas as multas de trânsito trazem recursos para os cofres públicos e isso é interessante para o erário. Não é uma questão de vigiar para evitar acidentes, a instalação de um sistema que vigia o cidadão é pensada para aplicar punição. A punição, consistente na multa, é dinheiro no cofre.

Por ora, analiso o avanço da utilização da tecnologia no aparelhamento deste “Estado policial”, vigiando cada vez mais as pessoas comuns, pondo de lado os consagrados direitos de intimidade e privacidade. Essa onda é perigosa porque o “eletrônico” falha e porque existem pessoas tratando as informações obtidas. E vejam atualmente quantos vazamentos de dados, documentos e informações.

Em julho de 2020, o Ministério Público do Ceará conseguiu que a Justiça Federal – em decisão válida para todo o Brasil – suspendesse a aplicação de multas de trânsito com a utilização de equipamentos de videomonitoramento. A justificativa da decisão foi justamente a constatação de que a utilização de câmeras capazes de registrar imagens do interior de veículos viola o direito a intimidade e à privacidade.

Para compreender bem a situação basta pensar quantas coisas que não são infrações de trânsito acontecem dentro dos veículos, ações corriqueiras, mas que não gostaríamos de ver registradas. Embora o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) autorize em seu art. 280, §2º, a aplicação das multas aqui mencionadas, tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei 8.109/17, que propõe alterar o CTB para proibir a utilização das imagens internas dos veículos para caracterização das infrações de trânsito.

A tecnologia é necessária, contudo, é preciso ter cautela ao abrir mão de direitos individuais para possibilitar a vigilância ou poderemos acabar em um constante reality show, onde no lugar do prêmio milionário teremos multas equivocadas, reconhecimento facial errôneo e outros atentados ao Estado Democrático de Direito.

Medida é reforço à segurança no trânsito

Leonardo Roza Tonetto
É advogado criminalista e professor universitário

Nova resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), nº 909/2022, publicada em 1º de abril deste ano, regulamenta a viabilidade na aplicação de multas via videomonitoramento. Dada a previsão legal, fiscais e agentes de trânsito podem autuar condutores por meio de câmeras instaladas e devidamente identificadas.

Vale lembrar que o sistema de videomonitoramento de trânsito não é uma novidade e já existe no Brasil desde 1988, com previsibilidade no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

Além disso, em 2013, o Contran havia incorporado norma referente à adoção do sistema, baseada à época apenas em estradas e rodovias. Mais tarde, em 2015, houve a inclusão das vias urbanas. Logo, é dada a autoridade de trânsito a permissão de autuar motoristas infratores a distância, tendo a nova resolução apenas regulamentado essa regra.

Em avanço, a nova resolução publicada coloca em prática a autuação remota dos motoristas, não excluindo nenhuma infração relacionada a normas gerais de circulação e conduta que não seja possível flagrar por videomonitoramento.

Ainda, de acordo com a norma, só será possível realizar a fiscalização de trânsito mediante sistema de videomonitoramento em vias que estejam com a devida identificação para esse fim, sob pena de se tornar nulo o Auto de Infração.

Dada a publicidade do novo regulamento, diversos municípios já se encontram em processo de adequação a fim de se utilizarem de equipamentos no auxílio de suas atividades. Em suma, a regulamentação encontra-se em consonância com os objetivos do Sistema Nacional de Trânsito, o qual define como prioridade a segurança no trânsito

Muito embora diante de diversas controvérsias apresentadas, a medida pretensa a ser adotada por diversos municípios retomará, de forma assertiva, a função pedagógica de conscientizar o cidadão e construir um sentimento de legalidade para com o exercício do direito de trânsito, principalmente quando o interesse coletivo se sobrepõe ao individual, como no caso.

Há uma expectativa tanto do poder público quanto da população a fim de que os novos mecanismos a serem adotados provoquem a conscientização devida e a mudança no comportamento das pessoas no trânsito, alcançando a norma os seus fins pretendidos.

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