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Feminicídio no ES: o perigo mora principalmente dentro de casa

Feminicídio no ES: o perigo mora principalmente dentro de casa

Os dois últimos anos — 2023 e 2024 — foram os que registraram o maior número de assassinatos de mulheres dentro de residências

Sara Ohnesorge

Residente em Jornalismo / [email protected]

Publicado em 25 de setembro de 2025 às 11:57

Mulheres são mais vítimas de feminicídios em seus próprios lares
De 2017 a abril deste ano, 55% dos feminicídios ocorreram dentro das casas das vítimas Crédito: Arte A Gazeta/Canva

Um ambiente de conforto e descanso também pode ser sinônimo de insegurança para meninas e mulheres. É o que mostra o Painel de Monitoramento da Violência Contra a Mulher, da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) do Espírito Santo. Os dados contabilizam 293 casos de feminicídio em território capixaba entre 2017 a abril de 2025, sendo 55% dos crimes ocorridos dentro das casas das vítimas.

Serra aparece em primeiro lugar entre as cidades mais violentas para gênero feminino, com 30 casos de feminicídio em oito anos, sendo 16 deles cometidos em domicílio. Logo após o município serrano está a capital do Estado, Vitória, com 22 casos – 14 no ambiente doméstico.

“A maioria dos casos acontece na própria residência, no local onde a pessoa se sente segura e está com alguém, em tese, de confiança. Homens com relacionamento muito próximo à mulher impedem algumas questões de segurança, desprotegendo a vítima em um local sem outras pessoas presentes”, enfatiza o advogado criminalista Fábio Marçal.

Os dois últimos anos – 2023 e 2024 – foram os que registraram o maior número de feminicídios dentro de residências, com 28 e 26 crimes do tipo, respectivamente (veja no gráfico abaixo).

O que caracteriza um feminicídio?

O feminicídio é um homicídio qualificado por questões ligadas ao gênero, ou seja, pelo fato de a pessoa ser do sexo feminino. O advogado criminalista Fábio Marçal explica que o crime é praticado com a intenção de dominar a vítima e subjugá-la ao poder do assassino.

“Muitas vezes, ex-companheiros não aceitam que aquela pessoa, por ser mulher, tome atitudes como terminar o relacionamento, viver uma vida independente ou querer outra relação. Em virtude da visão machista, ele pratica o feminicídio, crime cuja pena pode chegar a 40 anos”, diz Marçal, especialista em segurança pública.

Segundo os dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, 2017 foi o ano com mais homicídios contra mulheres motivados por gênero: 42. Os casos caíram em 2020, ano da pandemia, voltando a subir em 2021. O novo pico de casos foi em 2024, com 38 ocorrências, após dois anos de estabilidade.

Fábio Marçal salienta que é importante que as mulheres se atentem aos comportamentos do agressor, que podem incluir um ciclo de brigas e reconciliação constante antes de uma tentativa de assassinato. “Quando chega ao feminicídio, essa mulher já viveu várias etapas de violência. A ofensa ou uma fala grosseira abre caminho para uma agressão mais forte. Na primeira vez que sentiu que seu companheiro fez algo que o torna ameaçador, a pessoa tem que se afastar imediatamente."

Dentro de casa, elas correm mais risco

Um mês após o caso de Dinah Marinho, assassinada em 11 de agosto de 2025 pelo ex-marido na frente do próprio filho na Serra, a dor permanece nos familiares, tanto pela perda quanto pela brutalidade do crime. Dinah, que sonhava em ser cantora, foi morta a facadas dentro de sua casa.

Da esquerda para direita: Dinah Marinho e Ana Gabrielly Rodrigues do Amaral.
Dinah Marinho e Ana Gabrielly Rodrigues do Amaral foram mortas na frente dos filhos Crédito: Arte A Gazeta

De 2017 para cá, 90 feminicídios por arma branca foram registrados no Espírito Santo. Na Serra, cidade com mais assassinatos de mulheres devido ao gênero, 30% dos casos aconteceram com objetos cortantes, como facas e tesouras.

A tia de Dinah, que não quis se identificar e disse ainda estar muito abalada com o ocorrido, enfatiza a importância de as mulheres não se calarem e denunciarem no primeiro sinal de violência.

“A mulher que vive essa situação não imagina que o homem que ela está seria capaz de fazer isso, de dar o primeiro tapa ou o primeiro grito. E, logo depois, ela sente vergonha. Acha que ele a ama. Eu digo para essas mulheres: não tenham vergonha. Não se calem. Se eu estivesse perto da Dinah, falaria para ela denunciar, para vir para minha casa. A mulher é pressionada a ser forte, a não mostrar fragilidade. Mas é importante contar para alguém. São poucas que saem com vida [de uma relação abusiva]. E eu gostaria de ter falado isso para ela”, diz a tia.

Insegurança dentro e fora do lar

Mulheres também não estão seguras do lado de fora, além das quatro paredes da residência. Os dados da Sesp revelam que as ruas são o segundo ambiente onde elas são mais vitimadas. Em vias públicas, foram registrados 81 casos de feminicídio, sendo três em terrenos baldios e quatro deles em estabelecimentos comerciais.

No começo deste mês, Ana Gabrielly Rodrigues do Amaral, de 20 anos, foi morta no bairro 15 de Outubro, em Colatina, após ser baleada pelo ex-marido. A jovem brincava com o filho na frente de uma casa quando o pai da criança a assassinou com um disparo de arma de fogo.

O município do Noroeste do Estado reflete um histórico triste de assassinatos de mulheres, principalmente em vias públicas. Dos 9 casos registrados no período de 2017 para cá, 4 deles foram em ruas e causados por arma de fogo.

Outro cenário que preocupa e mostra uma brutalidade que vai além do local e da arma do assassinato são os casos de feminicídio na frente de familiares, principalmente de filhos pequenos, como ocorreu com Ana Gabrielly e Dinah. Essa observação é feita por Renata Bravo, advogada criminalista e de direito das mulheres.

“Existem questões que agravam a pena. Se esse feminicídio for praticado na presença dos filhos dessa mulher, ou se ela estiver no puerpério, o crime tem muito mais agravante. O legislador vai levar essas questões em consideração na hora de medir a pena, o que é chamado de dosimetria da pena”.

Disque-denúncia

A denúncia é uma das formas de desnaturalizar um discurso social de que a violência física, mental e sexual contra a mulher é comum, destaca Renata. “Já tivemos pessoas em altos cargos dando falas que normalizaram as violências. Isso passa para o público, que começa a achar que essas práticas não terão nenhuma reprimenda. Mas existem instâncias do poder público em que as mulheres podem buscar ajuda e denunciar ou que outras pessoas também possam recorrer caso identifiquem alguma violência”, afirma a advogada.

Em situações de ameaças, agressões e tentativas de homicídio, a vítima ou pessoas ao seu redor devem recorrer à Central de Atendimento à Mulher, discando o 180. O serviço é gratuito e funciona 24 horas, todos os dias.

O Ligue 180 oferece orientação sobre leis, informações sobre locais de atendimento e registros e encaminhamentos de denúncias para órgãos aptos a auxiliar a vítima. Em casos de emergência, a orientação é acionar a Polícia Militar no 190.

Este conteúdo é uma produção do 28º Curso de Residência em Jornalismo. A matéria teve orientação da editora Mikaella Campos.

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