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Publicado em 3 de outubro de 2019 às 20:01
- Atualizado há 6 anos
Filha de um militar e de uma professora, Priscila Gama cresceu consciente da cor de sua pele. “Sempre fui a única negra nos lugares que frequentava, como escola particular e cursos de línguas. E meus pais deixavam claro pra mim as oportunidades que eu tinha, diziam que não era assim com tantos outros negros”. Desde cedo ela aprendeu que precisava lutar por respeito. Por ela e pelos outros. “Já vivenciei o racismo de várias formas”, lembra ela, que é uma das fundadoras do movimento ‘Das Pretas’. A capixaba, que se tornou ativista e empreendedora social, fala sobre empoderamento de mulheres, gays e transexuais negras, além de trabalhar pelo enfrentamento às violências contra a juventude e às mulheres negras através da cultura e empreendedorismo. A partir de agora você também vai poder acompanhá-la em A Gazeta. "Quero falar sobre 'afetivar', que é sobre efetivar através do afeto e promover um olhar 360 graus de respeito, inclusão e equidade".>
Cresci em uma família muito unida e respeitosa. Criteriosa também, rigorosa, um clã onde o estudo tinha muito valor. Minha vida sempre foi cheia de arte e de conversas incríveis ao redor da mesa e sempre com a participação dos meus pais.
Sou filha de um casal miscigenado. Meu pai é um homem negro supermelaninado e minha mãe, uma mulher branca. Nasci uma negra com a pele menos melaninada e com todas as características da minha ancestralidade - em mim o nariz, a boca, os olhos, o formato do rosto, o corpo e o cabelo crespo sempre foram um registro muito forte. E nos meus lugares de convívio, a minha negritude sempre foi posta e latente (infelizmente, nem sempre de maneira positiva).
Meus pais me criaram na perspectiva das minhas potências e muito ciente de que, na sociedade racista e machista que a gente vive, eu precisava me conscientizar de quem era e me orgulhar da minha história. Mas a pressão da sociedade é muito cruel. O racismo é velado e as pessoas ainda acham que não existe. Então por muito anos eu me mutilei e passei pelos processos de alisamento e de embranquecimento que aterroriza negros no mundo todo.
Priscila Gama
Mestranda em Sociologia PolíticaEssa fase passou a tempo de eu me lembrar e reconstruir a autoestima que meus pais plantaram em mim e assim ajudar outras pessoas.
Atualmente, com o cenário político, socioeconômico que vivemos, lidar com racismo, machismo e qualquer outro tipo de violência é um exercício angustiante. E única saída é ser um educador social de uma maneira amplificada. Conversar, falar, conversar mais um pouco, sensibilizar dentro do impossível, porque é algo que supera os limites do que a gente tinha pré-cenário atual do país. As violências estão extremamente normalizadas entre nós e isso é assustador.
Entendi que era, sobretudo, uma oportunidade de dar voz e vez para um olhar que geralmente não é levado em consideração. O impacto social, as políticas de diversidade... tudo isso é o novo hype do mercado. E mercado é dinheiro. A corrida é sempre pelo dinheiro e muito pouco pelo exercício da escuta e da visibilização de quem tem lugar de fala. Então a gente vê muitas iniciativas trabalhando na perspectiva de uma "nova colonização" e não de um "novo olhar". E uma ressignificação e reconstrução estrutural para melhoria da sociedade como um todo - reconhecendo inclusive as questões ligadas aos privilégios e todas as opressões decorrentes dela. E eu venho fazer esse registro... o registro que é preciso sair da bolha e entender que é tempo de transformação, mesmo em tempos tão difíceis. Falar algo sobre 'afetivar' - que é sobre efetivar através do afeto e promover um olhar 360 graus de respeito, inclusão e equidade.
A música é aquele rolê, né? A música na periferia é o que move, o que une e muitas vezes o que transforma. O samba, o funk, o hip-hop enquanto cultura periférica potente são registros importantes na vida de todo corpo periférico, e comigo não seria diferente.
Sou mandigueira supersticiosa, não conto meus planos nem lascando.
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