Piano
Piano. Crédito: Pixabay

Quando dois capixabas transformaram a História do Brasil em música

O maestro Carlos Cruz e o pianista Manolo Cabral lançaram uma obra-prima da música erudita nos anos 80. Pioneirismo do trabalho foi atestado pelo maestro Guerra Peixe

Publicado em 07/03/2020 às 11h00
Atualizado em 07/03/2020 às 11h00
  • José Roberto Santos Neves

    É jornalista, escritor e pesquisador musical. Ocupante da Cadeira Nº 26 da Academia Espírito-Santense de Letras

Se há um disco de um compositor capixaba que merece o status de obra-prima, este é o LP “Brasil: Música na História – 50 Peças Progressivas para Piano”, do maestro Carlos Cruz, executado ao piano por Manolo Cabral e lançado em 1985, com patrocínio da Aracruz Celulose.

Tudo neste álbum é sinônimo de refinamento e bom gosto: desde o projeto original, com o objetivo de ilustrar musicalmente os principais acontecimentos da História do Brasil, à pesquisa desenvolvida por Carlos Cruz, incluindo o desempenho de Manolo Cabral, a belíssima arte da capa e o livro de partituras que acompanha a obra.

Trata-se de um raro encontro de gerações unidas pela música: de um lado, o renomado Carlos Cruz (1936-2011), nascido em Vitória e que se radicou no Rio de Janeiro em 1957, onde construiu carreira como compositor, pianista, professor de piano e diretor artístico nas principais emissoras de rádio e TV do país; de outro, o prodígio Manolo Cabral (1965-2006), então com 20 anos, apontado à época por Arthur Moreira Lima e João Carlos Assis Brasil como uma promessa do piano brasileiro.

No livro que acompanha o disco, o maestro Guerra Peixe, a quem Carlos Cruz deve muito de sua formação como compositor, atesta o pioneirismo desse trabalho ao lembrar que essa “é a primeira vez que aparece uma obra mais extensa, para piano, evocando os momentos principais da História do Brasil oficialmente estabelecida”.

Na arte interna do LP, o maestro Edino Krieger reitera que o mérito do trabalho está, sobretudo, na qualidade musical do produto final: “As peças são bem escritas para o instrumento, dotadas de uma fluência e de uma espontaneidade que as tornam atraentes para o pequeno pianista, que estará fazendo música e não apenas um adestramento musical. E isso é o mérito maior que um trabalho didático pode ter”.

DIVERSIDADE RÍTMICA

Porém, faz-se necessário frisar que “Brasil: Música na História” é um álbum acessível a todos aqueles que amam a música em seu estágio mais elevado, especialmente aos apreciadores do piano, que terão a oportunidade de desfrutar da fluência e do virtuosismo de Manolo Cabral.

Carlos Cruz, por sua vez, faz uso da diversidade rítmica para retratar a história do país em peças musicais. Conforme ele próprio pontua no prefácio da obra, entre as gravações há lundu (“O Aleijadinho”), modinhas (“Marília de Dirceu” e “Marquesa de Santos”), fandango (“Farroupilhas”), choro (“Rio, 1900” e “Semana de Arte Moderna”), música caipira (“Jeca Tatu”) e acento nordestino (“Canudos” e “João Pessoa – Morte e Revolução”). Juntamente com os ritmos de origem brasileira, há as criações em estilo europeu, como romanzas, valsas e minuetos, o que configura a obra como um encontro da brasilidade com a aristocracia, do erudito com o popular.

O maestro Carlos Cruz (1936-2011). Crédito: Arquivo
O maestro Carlos Cruz (1936-2011). Crédito: Arquivo

O álbum transporta o leitor/ouvinte para uma viagem no tempo que começa com o Descobrimento do Brasil e avança pelo período colonial. Ao longo das faixas sucedem-se fatos importantes da história do país, como as tradições indígenas, a formação das Capitanias Hereditárias, a chegada dos jesuítas, a resistência de Zumbi dos Palmares, a descoberta do ouro das Minas Gerais, a Inconfidência Mineira, a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, a Proclamação da Independência, a Regência e o Segundo Reinado, a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República.

No século XX, o compositor destaca a invenção do 14 Bis por Santos Dumont, o caipira Jeca Tatu, o Estado Novo de Getúlio Vargas, o papel da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial, a transferência da capital para Brasília, o golpe militar de 1964 (que Cruz descreve como “Revolução”) e o retorno do poder aos civis com a eleição de Tancredo Neves, em 1985.

Seguindo os passos de Heitor Villa-Lobos, Carlos Cruz e Manolo Cabral mergulham nas raízes do Brasil profundo e traduzem a alma de sua gente para o universo pianístico com o talento e a disciplina dignos daqueles que se entregam ao ofício com amor e afinco. E, como o Espírito Santo é um Estado que frequentemente se queixa de isolamento cultural, nunca é demais lembrar que ambos são capixabas da gema, de onde despontaram com esta importante contribuição para a musicografia brasileira.

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