Martinho Lutero, em pintura de  Lucas Cranach
Martinho Lutero, em pintura de  Lucas Cranach. Crédito: Reprodução

Projetos de poder são uma traição aos princípios protestantes

Enquanto comemoram suas origens, os cristãos evangélicos não podem perder de vista sua história, o que evitaria a diluição da sua identidade e tradição

Publicado em 04/01/2020 às 13h00
Atualizado em 04/01/2020 às 13h00
  • Kenner Terra

    É pastor, doutor em Ciências da Religião e professor

Há 502 anos, em 31 de outubro, na cidade alemã de Wittenberg, Martinho Lutero pregou suas 95 teses. Esse evento é conhecido como ponto inicial da Reforma Protestante e a origem das atuais igrejas evangélicas.

Em uma perspectiva triunfalista da história, o reformador alemão, por vezes, é narrado em uma verdadeira epopeia. Todavia é preciso entender que o séc. XVI foi na Europa um iceberg, cujas bases foram alimentadas por diversas tentativas frustradas de renovação teológico-eclesiástica da Igreja Medieval.

Além disso, o contexto renascentista-humanista e o germe dos Estados Nacionais providenciaram solo fértil tanto para Lutero quanto para os diversos movimentos fortalecidos na decadência do feudalismo europeu.

A Reforma representa o resultado de processos anteriores ao episódio de 1517 e insere-se no contexto das novas perspectivas a respeito do ser humano, das artes e do funcionamento do mundo. O protestantismo, consequentemente, é filho de seu tempo e com ele dialogou, influenciando-o e sendo influenciado.

Kenner Terra

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"Assim, à luz do espírito da Reforma, torna-se uma gritante traição ao princípio protestante qualquer ação eclesiástica impulsionada por projetos de poder"

É possível que alguém entenda essa descrição não triunfalista como uma tentativa de desqualificação da história protestante. No entanto, esse lado da história ajuda-nos na compreensão da sua identidade, porque coloca o protestantismo entre outras importantes transformações.

Dito isso, é possível afirmar que a Reforma iniciou e alimentou não somente mudanças na Igreja, mas em todo o Ocidente, que nunca mais foi o mesmo depois daqueles anos.

Entre tantas contribuições, a separação entre Igreja e Estado é uma das mais fundamentais, porque serviu de embrião no estabelecimento da pluralidade, apontou na direção das liberdades, colocou limites entre os poderes e indicou a laicidade do Estado, valores indispensáveis para o futuro conceito de “Estado Democrático de Direito”.

Com a ajuda do protestantismo, o Estado não determinaria mais as questões teológicas nem impediria práticas religiosas. A ele cumpriria o papel de promoção da justiça, ao mesmo tempo em que a Igreja não deveria emplacar suas crenças sobre os governos. Isso significaria liberdade, promoção da diversidade e autonomia.

Assim, à luz do espírito da Reforma, torna-se uma gritante traição ao princípio protestante qualquer ação eclesiástica impulsionada por projetos de poder, cuja intenção seja impor sobre o Estado os valores morais das suas denominações – mesmo que tenham a liberdade de aceitá-los.

Por isso, enquanto comemoram suas origens, os cristãos evangélicos não podem perder de vista sua história, o que evitaria a diluição da sua identidade e tradição. 

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