Maria Casadeval em cena de 'Coisa Mais Linda': série da Netflix retrata a cena musical dos bares cariocas nos anos 60
Maria Casadeval em cena de "Coisa Mais Linda": série da Netflix retrata a cena musical dos bares cariocas nos anos 60. Crédito: Aline Arruda/Netflix/Divulgação

Os "inferninhos" foram o verdadeiro paraíso da música brasileira

Os lendários bares localizados no Beco das Garrafas, no Rio, foram cenário da efervescência musical a partir dos anos 50

Tempo de leitura: 4min
Publicado em 05/10/2019 às 14h00

Apreciar boa música em pequenos ambientes próprios para isso vem se tornando cada vez mais difícil e nem sempre foi assim, nos grandes centros e até mesmo aqui em Vitória. No Rio de Janeiro, fazem parte da história da nossa música popular a partir dos anos 1950 os bares Bottle’s, Little Club e Bacará (ou Baccarat), todos em uma ruela sem fim, paralela à praia de Copacabana, com entrada pela rua Duvivier. O pouco espaço disponível fazia com que os frequentadores, nos intervalos das apresentações musicais, saíssem para conversar na calçada em frente, incomodando os moradores dos prédios vizinhos que, conforme se conta, ameaçavam manifestar seu desagrado arremessando garrafas. Daí o nome bem-humorado de Beco das Garrafadas e, depois, Beco das Garrafas, embora não haja registro de alguma concretização da ameaça. Inicialmente dedicado ao samba-canção, passou a ser um reduto da bossa nova, com o advento desse estilo, do qual se apresentaram muitos artistas, vários em início de uma carreira que logo viria a se consolidar, assim como o conceito de “pocket-show” e seus principais produtores, a dupla Miéle e Bôscoli. O beco e a dupla, assim como o performático Lennie Dale, desempenharam um papel importante também na carreira de Elis Regina, conforme mostra o recente filme de Hugo Prata que tem o nome da cantora.

Contudo, o Beco não resistiu às mudanças de costumes. A partir de 1966, o Little Club passou a se chamar Don Juan, especializado em shows eróticos, assim como o Bacará, apresentando peças de strip-tease. O Bottle’s fechou.

Após uma curta tentativa frustrada de reabertura em 1998, há mais ou menos cinco anos o Beco foi reativado e vem apresentando shows diários de samba, jazz e bossa nova no Bottle’s, ao qual foi anexado o Bacará, e no Little Club, totalizando uma capacidade para pouco mais de cem pessoas. Mediante o pagamento de um único ingresso, tem-se acesso às duas casas e a toda a emoção de um resgate histórico.

A iniciativa da reativação do espaço coube à cantora Amanda Bravo, em parceria com o empresário Sérgio Martino. Ela tem tudo a ver com a história do local, mesmo sem idade para frequentá-lo nos primeiros tempos. É filha de Durval Ferreira, músico, compositor e produtor musical, que se apresentava no Beco e fez uma longa carreira em conjuntos famosos, ou bandas, como hoje seriam chamados: o de Ed Lincoln, “Os Gatos” e o Tamba Trio. Durval liderou a tentativa frustrada de retorno anterior do espaço e não chegou a acompanhar a nova fase liderada pela filha, porque viveu somente até 2007.

O Beco apresenta boa música todo dia e tem algumas atrações fixas, entre elas a cantora Sanny Alves, às segundas-feiras em “Ela é carioca”, e o baterista Téo Lima com o seu grupo Bossa Rio, aos domingos. Sanny também é filha de um importante personagem da nossa história cultural, o contrabaixista Luiz Alves. O alagoano Téo, entre outras, integrou a banda Sururu de Capote, que acompanhava Djavan. Por lá já se apresentaram também artistas capixabas como Márcia Chagas e Victor Humberto, com o show “Ella Fitzgerald e Joe Pass”, e Eliane Gonzaga nos shows “60 anos de bossa nova” e “Encontro de bambas”.

A própria Amanda Bravo tem sido atração fixa, às sextas-feiras, com o seu show “A bossa do Beco”, que deu origem a um CD que já pode ser encontrado no próprio Beco, nas lojas do ramo e nas plataformas digitais. O disco tem a sonoridade típica daquele espaço e as participações especiais de Roberto Menescal, Bebeto Castilho (ex-Tamba Trio) e do próprio Durval Ferreira, a partir de gravações com voz, arranjo e violão deixadas por ele como presente para a filha.

Há cerca de dois anos, já temos também em Vitória um pequeno espaço exclusivo para se ouvir boa música. Trata-se do 244/Club, discretamente localizado no primeiro andar de um prédio comercial na Praia do Canto, rua Madeira de Freitas, 244, o que deixa clara a origem do nome. Não é um beco, mas lá também está sendo construída uma bela história musical, com muita bossa.

*O autor é pesquisador musical

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