Gustav Mahler, fotografado em 1907 por Moritz Nähr:  Sim: Mahler e Patati Patatá, de alguma forma, beberam da mesma fonte
Gustav Mahler, fotografado em 1907 por Moritz Nähr:  Sim: Mahler e Patati Patatá, de alguma forma, beberam da mesma fonte. Crédito: Moritz Nähr/Arquivo

Orquestra Sinfônica do ES: o tempo de Mahler chegou

A Orquestra Sinfônica do Espírito Santo (Oses) vai apresentar nos dias 17 e 18 de abril a Sinfonia n° 1 de Gustav Mahler. Em seguida, seguirá para Belo Horizonte, onde apresentará no dia 20, na grandiosa Sala Minas Gerais, o mesmo programa

Tempo de leitura: 5min
Publicado em 14/04/2024 às 10h00
  • Erico A. Mangaravite

    É delegado de polícia e crítico de música

O ano era 1891. Gustav Mahler, nascido em Kalischt, no Império Austríaco, atualmente República Tcheca, era um maestro cuja fama aumentava a cada dia. Empolgado com as críticas positivas, resolveu apresentar ao regente e pianista Hans von Bülow, um dos monstros sagrados do meio musical da época, uma composição de sua autoria (note que a fama de Mahler devia-se exclusivamente à boa condução de obras alheias).

Tente visualizar a cena, caro leitor: Bülow, conhecido pela língua ferina e pela personalidade ácida, no auge de sua carreira aos 60 anos, escuta o jovem Gustav, trinta anos mais novo, executar ao piano uma obra um tanto quanto esquisita para os padrões daquela época. A atmosfera era tensa. Ao final, Bülow, entre outras observações, afirmou algo como “se isso que você executou é música, então eu não entendo absolutamente nada a respeito de música!”.

Sabe-se lá de qual maneira, mas o fato é que Mahler ainda encontrou energia e otimismo em algum lugar para insistir em sua carreira paralela como compositor. Tal carreira havia se iniciado alguns anos antes, em 1889, com a estreia da sua Sinfonia nº1 em Budapeste, na Hungria. Bülow não estava lá, mas não faltou quem criticasse a obra naquela ocasião, bem como nos anos seguintes.

Um jornal chegou a publicar esta singular definição: “O trabalho sinfônico mais enfadonho que a nova época produziu". Todavia, o próprio compositor parecia se divertir com as opiniões conflitantes das pessoas que assistiam à obra pela primeira vez. Em uma carta, escreveu o seguinte: “A minha sinfonia foi recebida com furiosa oposição por alguns e com sincera aprovação por outros. As opiniões chocaram-se de forma divertida, nas ruas e nos salões!”.

Daí, o leitor que ainda não conhece a Sinfonia nº 1 pode estar se perguntando o que de tão peculiar esta composição traz para despertar, simultaneamente, ódio e paixão. Pois bem: passados mais de cem anos de sua estreia, é notório que atualmente a Sinfonia nº1 já não assusta mais ninguém. O próprio Mahler escreveu sinfonias bem mais, digamos, exóticas, e já há algumas décadas se consolidou como um dos pilares do repertório das grandes orquestras.

Vale dizer que não são obras de fácil execução. Contudo, quando bem interpretadas, conquistam a atenção do público e deixam músicos e maestros extremamente felizes com o que produziram durante a apresentação.

A questão é que em 1889 o público não esperava assistir à execução de uma sinfonia que trouxesse, de forma às vezes quase literal, às vezes de forma extremamente (e engenhosamente) modificada, tantas referências a outras obras musicais célebres na época e que haviam marcado a vida de Gustav Mahler, muitas delas na infância.

Inclusive, Mahler cita a si mesmo na 1ª Sinfonia, orquestrando trechos de canções que havia criado anteriormente. A coisa toda chega a um nível tão singular que é possível identificar influências da complicadíssima ópera “Parsifal”, de Richard Wagner (que dura, em uma execução veloz, mais de quatro horas – para desespero de muitos e enlevo de tantos outros), bem como da canção infantil “Bruder Martin”, que no Brasil conhecemos como “Motorista, olha o poste!”. Sim: Mahler e Patati Patatá, de alguma forma, beberam da mesma fonte.

Por mais que isso pareça estranho, e de fato é, sabemos que Mahler – antecipando Roberto Carlos em quase um século – prezava pela máxima de que devem conviver entre si no mesmo sujeito a cabeça de homem e o coração de menino. Tanto que, ao escrever para uma amiga musicista, afirmou textualmente que “compor é como brincar com blocos de construção, onde novos edifícios são criados repetidamente, usando os mesmos blocos. Na verdade, esses blocos estão lá, prontos para serem usados, desde a infância, único momento destinado à coleta”.

E essas criações despertam nos ouvintes sentimentos diversos como alegria, nostalgia, medo, euforia, tristeza e empolgação. A música de Mahler nos diverte e nos faz refletir. É uma criação, sobretudo, essencialmente humana, com seus extremos e contradições.

Para a alegria dos mahlerianos convictos, como este escriba, bem como para matar a curiosidade dos que ainda não ouviram nada desse interessantíssimo compositor, a Orquestra Sinfônica do Espírito Santo (Oses) vai apresentar nos próximos dias a Sinfonia nº 1 de Gustav Mahler. Também fará parte do programa a obra “Fragmentos Mahlerianos", do compositor capixaba Marcelo Rauta – um olhar contemporâneo sobre a grandiosa sinfonia de seu colega tcheco.

Oses
Orquestra Sinfônica do Espírito Santo. Crédito: Lorenzo Savergnini/Divulgação

Duas informações sobre a Oses merecem destaque: uma, é que a orquestra tem evoluído bastante desde o primeiro concerto da temporada, tendo atingido seu auge na recente apresentação da Sinfonia nº 5 de Tchaikovsky, na qual pela primeira vez notamos um equilíbrio homogêneo, em termos de sonoridade, de todos os naipes.

Ou seja: a orquestra soou grandiosa, não se apequenando nos grandes momentos da obra do autor russo. Porém, Mahler é um compositor que demandará esforços ainda maiores dos músicos envolvidos.

A segunda: logo após as apresentações em Vitória a Oses seguirá para Belo Horizonte, onde apresentará no dia 20, na grandiosa Sala Minas Gerais, o mesmo programa que veremos por aqui. Tal feito é digno de comemorações e deve ser reconhecido como um marco para a cultura capixaba.

Antes da pandemia, ainda na era dos jornais impressos, escrevi para este mesmo caderno Pensar de A Gazeta um artigo sobre um DVD com a Sinfonia nº 2 de Mahler. Estávamos em 2011, ano do centenário da morte do artista. A conclusão foi algo assim: “Compositor cujo reconhecimento em vida se deu à custa de intenso trabalho e superação de duras críticas, Mahler dizia que seu tempo haveria de chegar. Parafraseando o maestro Leonard Bernstein, em tempos marcados por holocaustos e massacres, pela persistente contradição entre o avanço das democracias e a manutenção das guerras e dos regimes ditatoriais e pela intensa resistência ao estabelecimento de uma sociedade igualitária, finalmente é possível ouvir a música de Mahler e entender que ele já antecipara tudo isso”.

Após a pandemia, na vigência de dezenas de conflitos armados em andamento ao redor do mundo, é possível reafirmar em 2024: o tempo de Mahler, definitivamente, chegou.

SERVIÇO

  • Dias: 17 e 18 de abril de 2024
  • Horário: 20h
  • Local: Sesc Glória, Avenida Jerônimo Monteiro, 428 - Centro, Vitória - ES, Brasil

Orquestra Sinfônica do Espírito Santo - Oses

Helder Trefzger, regente

Repertório:

Marcelo Rauta: Fragmentos Mahlerianos.

Allegretto

Gustav Mahler: Sinfonia n.° 1, “Titan”.

  1. Langsam, Schleppend
  2. Kräftig bewegt, doch nicht zu schnell
  3. Feierlich und gemessen, ohne zu schleppen
  4. Stürmisch bewegt

Ingressos:

  • R$ 20 (inteira)
  • R$ 15 (conveniado)
  • R$ 12 (cartão-empresário)
  • R$ 10 (meia-entrada e comerciário)
  • R$ 10 + 1kg de alimento (meia solidária)

Mais informações no site da Oses

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Música Orquestra Sinfônica do ES

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