Acompanho a produção de artes visuais no Espírito Santo há pouco mais de 20 anos, e a proximidade com alguns artistas me permitiu conhecer seus processos criativos e suas instigantes propostas estéticas, o que me levou algumas vezes a escrever sobre o tema.
O livro “Exercícios do olhar, exercícios do sentir”, recém-publicado pela Editora Cousa, reúne onze desses textos críticos, elaborados entre 2006 e 2019.
A primeira parte do livro se concentra nas trajetórias de três artistas da minha geração, surgida entre o final dos anos 1990 e o comecinho dos 2000. Maruzza Valdetaro criou a fictícia MZZ Empreendimentos para lotear o intangível e “comercializar” sensações, memórias, afetos – numa crítica bastante lúdica a uma sociedade em que tudo é mercadoria, inclusive as próprias relações humanas.

Júlio Schmidt joga entre a pintura, a cenografia e arte-final, em obras que releem objetos cotidianos e enchem nossos olhos com um acabamento gráfico que deliberadamente maquia a presença do traço do artista, muitas vezes levando o espectador a acreditar que se trata de um objeto industrial e não manual.
Elisa Queiroz partiu precocemente em 2011, mas deixou uma obra visionária e bastante atual, na qual questionava padrões de beleza feminina hegemônicos e a própria iconografia da história da arte ao tornar seu próprio corpo o epicentro de seu trabalho artístico.

Sua figura era muitas vezes reproduzida em suportes comestíveis e perecíveis, em obras que valorizavam aspectos do corpo gordo (o que ela chamava de “adiposidades sedutoras”), sempre fazendo uso de humor, ironia, sensualidade e sinestesia. Sua obra Comelância (2005) ilustra a capa do livro.
O segundo bloco é composto de textos mais curtos, cobrindo algumas exposições realizadas nesses anos. Nele, abordo as aproximações entre fotografia, vídeo e pintura na obra de Orlando da Rosa Farya; a pintura visceral de Andréa Abreu e os desenhos de dois mestres: a série Sirva-se, de Mara Perpétua, e as garatujas de Hélio Coelho e sua “mão tagarela”.
Também acompanho a residência artística Silentio, do paraibano José Rufino, realizada em Viana entre 2009 e 2010, e a exposição Distâncias do sentir (2019), de Khalil Rodor – dois artistas que falam de memória, pertencimento e território em seus trabalhos.
A parte final do livro mapeia dois campos efervescentes do cenário artístico capixaba, sobre os quais pouco ainda se escreveu: um texto dedica-se às artes e ao audiovisual LGBT/queer e suas escrituras marcadas pela diferença, enquanto o outro aponta a crescente produção de videoperformance na última década.
São artistas como Marcus Vinícius, Rubiane Maia e Castiel Vitorino Brasileiro, entre outros, que entendem a circulação de suas imagens como ferramenta importantíssima para discutir presença, precariedade, experiência, identidade e afeto.
Uma parte substancial dos textos aqui reunidos possui o corpo como ponto de partida ou de chegada – o que me faz lembrar que o exercício da crítica não é somente um ato cerebral, mas também uma resposta afetiva às questões que as obras nos lançam e que reverberam por nosso corpo.
Olhar, sentir, arriscar-se e reconhecer a alteridade: processos fundamentais para que se entenda a importância da crítica de arte em reconectar a experiência estética ao que dela levamos de volta para nossos cotidianos.
Este vídeo pode te interessar
SERVIÇO: Lançamento do livro “Exercícios do olhar, exercícios do sentir”. Neste sábado (18/01), às 16h. Na Emparede Contemporânea - Rua Albuquerque Tovar, 41, Santo Antônio, Vitória.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.