Publicado em 12 de julho de 2025 às 13:39
Serhiy Melnyk tira do bolso um pequeno fragmento enferrujado, cuidadosamente embrulhado em papel.
"Atingiu de raspão meu rim, perfurou meu pulmão e meu coração", diz o militar ucraniano em voz baixa.
Marcas de sangue seco ainda são visíveis no estilhaço de um drone russo que se alojou em seu coração enquanto ele lutava no leste da Ucrânia.
"No início, eu nem percebi o que era. Achei que estava apenas com falta de ar, por baixo do meu colete à prova de balas", disse. "Eles tiraram estilhaços do meu coração."
Com o aumento da guerra de drones na Ucrânia, essas lesões estão se tornando cada vez mais comuns. Com frequência, os drones carregam armas e materiais que fragmentam e causam ferimentos por estilhaços mais complexos.
De acordo com os médicos militares ucranianos, os ferimentos por estilhaços são responsáveis hoje por até 80% dos traumas em campo de batalha.
Se não tivesse sido tratado, o ferimento de Melnyk seria fatal.
"O fragmento era tão afiado quanto uma lâmina. Os médicos disseram que era um pedaço grande, e que eu tive muita sorte por ter sobrevivido", ele conta, reflexivo.
Não foi apenas a sorte que o salvou, mas uma nova tecnologia médica: um extrator magnético.
O cirurgião cardiovascular Serhiy Maksymenko mostra imagens do fragmento de metal que entrou no coração de Melnyk antes de ser delicadamente removido por um dispositivo fino, com ponta magnética.
"Não é preciso fazer cortes grandes no coração", explica o médico. "Eu faço uma pequena incisão, insiro o ímã, e ele puxa o estilhaço para fora."
Em apenas um ano, a equipe de Maksymenko já fez mais de 70 cirurgias cardíacas bem-sucedidas com o dispositivo, que revolucionou a medicina na linha de frente na Ucrânia.
O desenvolvimento desses extratores vieram depois que os médicos na linha de frente destacaram a necessidade urgente de uma forma segura, rápida e minimamente invasiva para remover estilhaços.
Oleh Bykov, que costumava trabalhar como advogado, impulsionou esse desenvolvimento. Desde 2014, ele apoia o exército como voluntário. Ele encontrou médicos na linha de frente e, a partir de algumas conversas, o extrator magnético foi criado.
O conceito não é novo. Os ímãs foram usados para remover metais de ferimentos na Guerra da Crimeia, na década de 1850.
Mas a equipe de Oleh modernizou a abordagem, criando modelos flexíveis para cirurgias abdominais, microextratores para trabalhos delicados e ferramentas de alta resistência para ossos.
As cirurgias se tornaram mais precisas e menos invasivas.
O ímã pode ser passado pela superfície de uma ferida para extrair fragmentos. Os cirurgiões, então, fazem uma pequena incisão e a peça é removida.
Segurando uma ferramenta fina em forma de caneta, Oleh demonstra seu poder ao levantar uma marreta com a ponta magnética.
Seu trabalho tem sido elogiado por outros médicos de guerra, incluindo David Nott, um veterano de zonas de guerra ao redor do mundo.
"Na guerra, coisas são desenvolvidas que nunca teriam sido pensadas na vida civil", afirma.
Ferimentos por estilhaços aumentaram devido à mudança na natureza da guerra e, como esse fragmentos demoram muito para serem encontrados, ele acredita que o dispositivo pode ser um divisor de águas.
Segundo Nott, procurar por estilhaços em pacientes é como "procurar uma agulha no palheiro" e nem sempre dá certo, além de atrasar o tratamento de outras vítimas.
A busca por fragmentos realizada de forma manual pode ser perigosa e requer grandes incisões que podem causar ainda mais sangramento, "então, poder simplificar a forma de encontrá-los usando um ímã é genial."
O que começou como uma ferramenta de campo agora foi implementado em toda a Ucrânia, com 3.000 unidades distribuídas para hospitais e médicos na linha de frente, como Andriy Alban, que afirma ter passado a confiar no dispositivo.
Ele costuma trabalhar sob fogo cruzado, em trincheiras ou clínicas improvisadas ao ar livre e, às vezes, sem anestesia local.
"Meu trabalho é salvar vidas, fazer curativos e evacuar soldados", diz.
O extrator magnético ainda não tem certificação oficial.
O Ministério da Saúde da Ucrânia disse que dispositivos médicos devem cumprir integralmente os regulamentos técnicos. Contudo, em casos excepcionais, como durante a lei marcial ou estado de emergência, o uso de dispositivos não certificados é permitido para atender às necessidades das Forças Armadas e de segurança.
No auge de uma guerra, não há tempo para burocracia, explica Oleh.
"Esses dispositivos salvam vidas. Se alguém acha que o que eu faço é crime, assumo a responsabilidade. Estou até mesmo preparado para ir para a prisão, se for o caso. Mas então todos os médicos que usam esses dispositivos deveriam ser presos também", acrescenta em tom de brincadeira.
David Nott concorda que a certificação não é uma prioridade neste momento e acredita que o dispositivo poderia ser útil em outras áreas de guerra, como Gaza.
"Na guerra, isso não é realmente necessário. Você só faz as coisas que são importantes para salvar vidas."
Em Lviv, Yulia, esposa de Serhiy, é grata pelo marido ter sobrevivido à lesão.
"Eu só quero agradecer às pessoas que inventaram esse extrator", diz, com lágrimas nos olhos. "Graças a eles, meu marido está vivo."
Reportagem adicional de Jasmin Dyer e Kevin McGregor.
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