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Quem era Tenório Jr, 'gênio' da bossa nova morto na Argentina e identificado agora, 50 anos depois

Quem era Tenório Jr, 'gênio' da bossa nova morto na Argentina e identificado agora, 50 anos depois

Parceiro de Vinicius de Moraes e Toquinho, Tenorinho foi visto pela última vez em 18 de março de 1976, em Buenos Aires, nas vésperas de golpe militar na Argentina

Publicado em 13 de setembro de 2025 às 18:32

Imagem BBC Brasil
Tenorinho era considerado um grande talento da bossa nova Crédito: Embaixada do Brasil na Argentina

Quase 50 anos após desaparecer em Buenos Aires às vésperas do golpe militar na Argentina, o pianista Francisco Cerqueira Tenório Júnior, o Tenorinho, foi confirmado morto, informou a Embaixada do Brasil na Argentina neste sábado (13/9).

Os restos mortais do músico foram identificados após exames em um corpo encontrado em 1976.

Parceiro de Vinicius de Moraes e Toquinho, Tenorinho foi visto pela última vez em 18 de março de 1976, após um show lotado na área central de Buenos Aires. Ele saiu do hotel para ir à farmácia e comprar cigarro - e nunca mais foi visto.

"Nos últimos dias, graças ao trabalho da Justiça argentina na busca pela verdade sobre os desaparecidos, foi possível confirmar que o corpo de um homem encontrado em Don Torcuato em 20 de março de 1976, dois dias após o desaparecimento, era de Tenorinho", informou a Embaixada brasileira.

Don Torcuato é uma cidade da área norte da região metropolitana de Buenos Aires.

Tenorinho estava em turnê pelo Uruguai e Argentina junto a Vinicius de Moraes, Toquinho, Mutinho e Azeitona quando despareceu.

Naquele momento, como se sabe agora, interrompia-se a vida e a carreira de um dos nomes mais destacados da música instrumental brasileira, mestre na fusão de bossa nova e jazz.

Aquela época era um período de perseguições, sequestros, torturas e mortes de opositores na Argentina e no Brasil.

Mas o caso de Tenorinho sempre foi intrigante porque ele não tinha atividades políticas, segundo pessoas próximas.

Vinicius chegou a procurá-lo em hospitais e delegacias de polícia da capital argentina.

"Vinicius ainda permaneceu alguns dias na Argentina tentando esclarecer o caso e nada conseguiu", disse Toquinho em entrevista para reportagem da BBC News Brasil em 2021.

Toquinho disse que o pianista "era de grande talento, considerado um dos músicos mais importantes da bossa nova".

E lembrou que seu destino incerto faz parte dos versos da música Lembranças, que fez com Miltinho: "Tenório saiu sozinho na noite / Sumiu / Ninguém soube explicar".

Neste sábado, após a divulgação da identificação dos restos mortais, artistas que conviveram com Tenório Jr. se emocionaram com a notícia.

A cantora e compositora Joyce Moreno o chamou de "lenda do samba-jazz, um dos maiores músicos brasileiros de sua geração", além de uma pessoa "que nunca se interessou por política e afins, seu negócio era música".

"Meu amigo querido Tenório Júnior – que você finalmente esteja em paz.",

"O que ele estaria fazendo hoje? Como estaria compondo? Até onde sua música o teria levado? E principalmente – até onde ele teria levado a música instrumental brasileira? Porque não foi só o desaparecimento de um homem, o que já é terrível. Mas foi também a perda de uma linguagem musical única, que ele começara a desenvolver", escreveu a cantora no Instagram.

À emissora GloboNews, Toquinho, parceiro de Tenorio Jr., disse que a confirmação da Argentina após quase 50 anos "é o mínimo de conforto para a família".

"Estávamos terminando uma turnê e nessa noite fatídica ele foi pego por engano ou não, contou a verdade talvez para os seus torturadores, mas, depois que souberam que estava falando a verdade, por isso mesmo acho que o mataram", declarou o músico.

Toquinho disse ainda que Tenório foi "vítima de um tempo terrível na América do Sul". "Felizmente, esse tempo passou."

Sequestro

Imagem BBC Brasil
Tenorinho estava hospedado neste hotel no centro de Buenos Aires Crédito: Marcia Carmo/BBC

O sequestro de Tenorinho ocorreu seis dias antes do golpe militar na Argentina, no dia 24 de março. Mas naquela data em que o músico saiu e não voltou, o país já vivia a tensão provocada por atos antidemocráticos contra o governo da então presidente Isabel Perón e que culminaram no golpe.

Uma das versões é a de que, barbudo, ele pode ter sido confundido com o que na época se chamava de "subversivo" - pejorativo que incluía a aparência.

Havia também a hipótese de que o sequestro pudesse ter sido ordenado pelo regime militar no Brasil.

A situação de Tenorinho está reunida em várias pastas com documentos amarelados no arquivo do Museu Sitio da Memória ESMA. Ali, no bairro portenho de Nuñez, funcionou o centro de tortura Escola de Mecânica da Marinha, durante a ditadura (1976-1983). Nas pastas estão reunidas as informações disponíveis sobre o caso.

Tenorinho, segundo a versão do repressor argentino Claudio Vallejos, teria sido sequestrado, torturado e morto ali naquele lugar.

Mas os documentos apresentados por Vallejos não foram ratificados por seus superiores.

Tenorinho deixou quatro filhos e uma esposa grávida no Brasil, em 1976.

Com reportagem de Marcia Carmo, de Buenos Aires para BBC News Brasil em 2021.

Imagem BBC Brasil
Placa que homenageia Tenorinho no Hotel Normandie, em Buenos Aires Crédito: Marcia Carmo/BBC
Imagem BBC Brasil
null Crédito: Acervo do Museu da Esma

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