Publicado em 21 de janeiro de 2025 às 15:44
Em seu primeiro discurso após a posse como presidente dos Estados Unidos na segunda-feira (20/1), Donald Trump repetiu uma ideia que já havia insinuado dias atrás: a convicção de que "soldados da China" estão "operando de forma cordial, mas ilegal, o Canal do Panamá".>
A afirmação foi desmentida por autoridades panamenhas e chinesas.>
O presidente do Panamá, José Raúl Mulino, declarou repetidamente que isso é "um disparate", enfatizando que não há "absolutamente nenhuma interferência chinesa" no canal.>
Nas últimas semanas, Trump ameaçou retomar o canal à força, alegando que são aplicadas tarifas "exorbitantes" para embarcações americanas, outra afirmação refutada pelas autoridades panamenhas.>
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A estratégica via navegável, responsável por cerca de 5% do volume do comércio marítimo mundial, é administrada pela Autoridade do Canal do Panamá, uma entidade do governo panamenho, e não por soldados chineses.>
Ainda assim, a declaração imprecisa de Trump reflete a preocupação de alguns funcionários americanos com os investimentos significativos da China no canal e em sua infraestrutura adjacente.>
Os Estados Unidos tiveram um papel fundamental na construção e administração da hidrovia que une os oceanos Atlântico e Pacífico. >
Após uma tentativa fracassada da França de construir o canal, os Estados Unidos adquiriram os diretos de realizar o projeto.>
A construção do canal foi concluída em 1914.>
Ele permaneceu sob controle americano até 1977, quando o então presidente Jimmy Carter assinou um tratado para ceder gradualmente o canal ao Panamá - uma medida que Trump já classificou como "tola". >
Desde 1999, a Autoridade do Canal do Panamá, que pertence ao governo panamenho, mas que opera de forma independente, assumiu o controle exclusivo sobre as operações da via interoceânica.>
Os acordos firmados entre os EUA e o Panamá determinam que o canal será permanentemente neutro, mas que os EUA se reservam o direito de defender qualquer ameaça à neutralidade do canal utilizando força militar.>
Não há evidências públicas de que o governo chinês exerça qualquer controle sobre o canal, mas empresas chinesas possuem uma presença significativa na região.>
De outubro de 2023 a setembro de 2024, a China representou 21,4% do volume de carga que transitou pelo Canal do Panamá, tornando-se o segundo maior usuário, atrás apenas dos Estados Unidos.>
Nos últimos anos, a China também realizou investimentos substanciais em portos e terminais próximos ao canal. >
Dois dos cinco portos adjacentes ao canal, Balboa e Cristóbal, localizados nos lados Pacífico e Atlântico, respectivamente, são operados por uma subsidiária da Hutchison Port Holdings desde 1997.>
Essa empresa é, por sua vez, subsidiária da CK Hutchison Holdings, um conglomerado com sede em Hong Kong fundado pelo empresário honconguês Li Ka-shing. O grupo possui operações portuárias em 24 países, incluindo o Reino Unido.>
A exploração desses portos oferece à CK Hutchison Holdings uma grande quantidade de informações estratégicas potencialmente úteis sobre os navios que transitam pelo canal, afirmou Ryan Berg, diretor do Programa das Américas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um centro de pesquisas com sede em Washington.>
"Existe uma crescente tensão geopolítica de caráter econômico entre os Estados Unidos e a China", disse Berg. "Esse tipo de informação sobre cargas seria extremamente útil em caso de uma guerra, envolvendo o controle das cadeias de suprimentos.">
Embora a CK Hutchison Holdings não seja de propriedade estatal chinesa, Berg mencionou que, em Washington, há preocupações sobre o grau de controle que Pequim poderia exercer sobre a empresa.>
A CK Hutchison Holdings não respondeu às perguntas enviadas pela BBC.>
Segundo Andrew Thomas, professor da Universidade de Akron, nos EUA, e autor de um livro sobre o canal, as licitações para operar esses portos enfrentaram pouca concorrência.>
"Naquela época, os Estados Unidos não davam importância a esses portos, e a Hutchison não encontrou objeções", explicou Thomas.>
Empresas chinesas, tanto privadas quanto estatais, também ampliaram sua presença no Panamá com investimentos de bilhões de dólares, incluindo a construção de um terminal de cruzeiros e de uma ponte sobre o canal.>
Esse "pacote de atividades chinesas", como descreveu Thomas, pode ter motivado a declaração de Trump de que o canal seria "propriedade" da China, embora a operação desses portos não equivalha à propriedade, enfatizou.>
Pequim tem reiterado que os laços da China com a América Latina são baseados na "igualdade, vantagem mútua, inovação, abertura e benefícios para o povo".>
A posição estratégica do Panamá faz com que a China esteja há anos trabalhando para aumentar sua influência no país e expandir sua presença em um continente que tradicionalmente tem sido considerado "o quintal" dos Estados Unidos.>
Em 2017, o Panamá rompeu relações diplomáticas com Taiwan e estabeleceu laços formais com a China, marcando uma importante vitória para a diplomacia chinesa.>
A China vê Taiwan como uma província separatista que um dia voltará a estar sob o controle de Pequim. No entanto, Taiwan se vê como um país independente, com sua própria Constituição e líderes democraticamente eleitos.>
Meses depois, o Panamá tornou-se o primeiro país latino-americano a aderir à iniciativa chinesa "Cinturão e Rota", também conhecida como Nova Rota da Seda, um ambicioso projeto global de infraestrutura e investimentos avaliado em um trilhão de dólares.>
A República Dominicana, El Salvador, Nicarágua e Honduras seguiram o exemplo, também rompendo relações com Taiwan em favor de Pequim.>
A China tem ampliado gradualmente sua influência no Panamá, inaugurando o primeiro Instituto Confúcio no país e concedendo um financiamento para a construção de uma linha ferroviária.>
Além disso, empresas chinesas têm patrocinado "cursos de treinamento em mídia" voltados para jornalistas panamenhos.>
Membros da comunidade chinesa no Panamá disseram à BBC que mal prestaram atenção às declarações de Trump.>
Gerações de famílias chinesas se estabeleceram no país, e Dora Gao, uma cidadã chinesa que se mudou para a Cidade do Panamá há mais de uma década para abrir um restaurante, afirmou que as marcas da China estão "por toda parte no Panamá".>
"O que Trump disse [sobre os soldados] é infundado e risível", afirmou Gao. "Acredito que ele se sente ameaçado pela crescente influência da China no Panamá.">
Muitos panamenhos comuns ficaram perplexos com as declarações de Trump.>
"Passei três meses com acesso total trabalhando em um livro para o sindicato dos pilotos do Canal do Panamá e cruzei o canal ida e volta 15 vezes", declarou à BBC o jornalista local Tito Herrera.>
"Nunca vi um soldado chinês vigiando o Canal do Panamá, nem nada remotamente relacionado a isso.">
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