Publicado em 10 de julho de 2025 às 09:39
O dinheiro enviado pelos migrantes significa o pão de cada dia nas casas de centenas de milhares de famílias na América Latina.>
Estudos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indicam que oito em cada 10 migrantes latino-americanos enviam dinheiro para os entes queridos nos seus países de origem. Eles pagam despesas com alimentação, moradia, transporte e também se encarregam de gastos maiores de curto e longo prazo, como intervenções médicas e a educação dos filhos.>
Em 2024, as remessas financeiras para a América Latina somaram cerca de US$ 160 bilhões (cerca de R$ 881 bilhões) e o principal país de origem desse dinheiro acaba de aprovar um imposto de 1% sobre as transferências em espécie: os Estados Unidos.>
Este novo imposto foi significativamente reduzido durante as negociações para sua aprovação no Congresso americano — inicialmente, ele seria de 5%. E também será aplicado apenas aos pagamentos em espécie, não a todos os tipos de remessa, como se previa originalmente.>
>
Mas o fato de que, para cada US$ 1 mil enviados pelos migrantes, US$ 10 se destinem a pagar este imposto significará que os migrantes precisarão trabalhar mais para fazer os pagamentos.>
O novo imposto entrará em vigor em janeiro de 2026.>
Especialistas alertam que, embora este imposto diminua a receita das famílias, um ponto percentual não é uma cifra que possa causar problemas aos países que mais dependem das remessas, como El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Neles, quase 25% do Produto Interno Bruto (PIB) provêm das transferências feitas pelos migrantes que vivem nos Estados Unidos.>
O novo imposto "não representa nenhum tipo de risco macroeconômico para os países, mesmo para os que dependem muito [das transferências] na América Central", explica Mario Campa, especialista em política econômica e finanças internacionais da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos.>
"O que ocorre é que ele reduz um pouco o valor das remessas, [um impacto] que precisará ser absorvido pelo remetente ou pelo destinatário", segundo ele.>
Uma análise do think tank (centro de pesquisa e debates) Centro para o Desenvolvimento Global (CDG), com sede em Washington e Londres, alerta que o imposto de 1% terá "impacto significativo" sobre a quantidade de remessas recebidas pelos diferentes países, vários deles na América Latina.>
Mas os especialistas consultados pela BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) destacam que a lei aprovada pelo Congresso americano na semana passada deixa abertas várias opções para que os migrantes possam evitar o imposto — incluindo os sem documentos, que têm poucas opções de uso do sistema financeiro normal dos Estados Unidos.>
"Eles podem falar com um amigo que seja cidadão, que tenha acesso ao banco. Estas pessoas vão pedir favores para outras e isso pode encarecer as remessas", afirma o diretor do Instituto Centro-Americano de Estudos Fiscais, Ricardo Barrientos.>
"Mas, enquanto eles permanecerem trabalhando nos Estados Unidos, haverá remessas. Pode ocorrer uma redução, mas dificilmente uma queda catastrófica", explica ele.>
Em relação ao volume total de remessas de dinheiro, o México é, de longe, o principal país de destino das transferências enviadas para a América Latina.>
O país recebeu cerca de US$ 65 bilhões (cerca de R$ 358 bilhões) no ano passado e o BID indica que 96% destes recursos provêm dos Estados Unidos.>
Mas, como percentual do PIB mexicano (3,2%), a cifra não representa uma fonte de receita tão significativa quanto para quatro países da América Central.>
Os números de 2024 indicam que a Nicarágua (27,6%), Honduras (25,9%), El Salvador (23,5%) e Guatemala (19,5%) são os países que mais dependem desta receita estrangeira, proporcionalmente ao PIB nacional.>
Nestes países, a origem das remessas é mais diversificada do que no caso do México. Ainda assim, 75% das transferências provêm dos Estados Unidos.>
Já os países sul-americanos recebem menos de 5% do seu PIB em remessas do exterior. Sua origem se divide entre os países europeus, principalmente a Espanha e Portugal, e os envios dos Estados Unidos. Por isso, o impacto do imposto de 1% aprovado por Washington é muito menor que nos países da América Central.>
Os cálculos do CDG indicam que o México poderá ser o país que mais irá perder com o novo imposto em valores líquidos: pouco mais de US$ 1,5 bilhão (cerca de R$ 8,3 bilhões) por ano.>
A Guatemala perderia cerca de US$ 415 milhões (R$ 2,3 bilhões); El Salvador, quase US$ 200 milhões (R$ 1,1 bilhão); e Honduras, US$ 175 milhões (R$ 963 milhões).>
A República Dominicana teria um impacto maior, de cerca de US$ 234 milhões (cerca de R$ 1,3 bilhão), segundo esta projeção.>
Na América do Sul, o país que mais recebe dinheiro é a Colômbia. Em 2024, foram cerca de US$ 11,83 bilhões (cerca de R$ 65,1 bilhões). A metade destes fundos vem dos Estados Unidos.>
Por isso, o país sul-americano pode sofrer uma redução de fluxo de US$ 66 milhões (cerca de R$ 363 milhões), segundo uma análise do centro de pesquisa colombiano Fedesarrollo.>
O Brasil recebeu, em 2024, cerca de US$ 4,2 bilhões (cerca de R$ 23,1 bilhões). O valor representa 0,2% do PIB brasileiro, segundo os dados do BID.>
>
Mas Campa acredita que, no caso do México, o total dos recursos que o país deixará de receber pode ser muito menor — "cerca de US$ 600 milhões (R$ 3,3 bilhões), devido à evasão, fraudes e transferências digitais".>
A legislação aprovada em Washington aplica o imposto apenas aos remetentes que pagarem as remessas em espécie (papel-moeda, cheques ou outros instrumentos financeiros físicos). O envio via internet, bancos ou serviços eletrônicos de remessa não estará sujeito à cobrança de imposto.>
A presidente do México, Claudia Sheinbaum, também considerou que as transferências dos cidadãos mexicanos não sofrerão a cobrança de 1% porque, segundo o Banco do México, quase 100% delas são realizadas por meios eletrônicos e ficarão livres do imposto.>
No caso da Guatemala, o Banco Central do país calculou que as remessas seriam reduzidas em até US$ 225 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhão).>
Barrientos explica que, na Guatemala, de alguns anos para cá, o valor das remessas superou o próprio orçamento do governo. Por isso, qualquer perturbação neste fluxo é motivo de preocupação.>
Os valores "são maiores que todo o orçamento do Estado, que é de cerca de 14% do PIB", explica ele.>
"Por isso, as remessas superam todos os impostos recolhidos no país, todo o valor gasto em infraestrutura, em serviços sociais, e este fator é o que mantém o saldo da conta-corrente há quatro anos.">
Mas o imposto de 1%, por enquanto, não teria isoladamente o potencial de gerar problemas macroeconômicos para a Guatemala, nem para os demais países centro-americanos.>
"Os migrantes são os verdadeiros heróis nacionais da Guatemala, Honduras e El Salvador", destaca Barrientos.>
"São pessoas jovens que enfrentaram riscos de violação, sequestro e morte, mas chegaram aos Estados Unidos e irão encontrar ali uma forma [de viver]. O imposto é uma dificuldade a mais que estas pessoas precisarão superar. São sobreviventes.">
>
Desde que os Estados Unidos apresentaram o imposto sobre as remessas, com taxa inicial de 5% (depois reduzida para 3,5% e, por fim, para 1%), os especialistas destacaram que os migrantes ainda teriam opções para evitar a cobrança.>
Diferentemente do que ocorria com frequência nas últimas décadas, quando as remessas eram realizadas em dinheiro, em lojas ou agências bancárias, os migrantes atualmente costumam usar mais as transferências eletrônicas e aplicativos de empresas de remessas para enviar dinheiro aos seus países. E este procedimento permitirá que eles evitem o imposto de 1%.>
Campa e Barrientos concordam que aqueles que não detêm acesso ao sistema financeiro, como migrantes recém-chegados ou sem documentos, podem pedir a familiares e amigos que façam as transferências. Outra alternativa pode ser o uso de cartões bancários pré-pagos ou até de meios de pagamento mais novos, como as criptomoedas.>
Em última análise, Barrientos opina que os migrantes estariam até dispostos a custear a alíquota de 1%.>
"Se, das remessas, depender a vida da minha mãe, porque ela compra medicamentos, e, em vez de pagar US$ 15, vou pagar US$ 16, é claro que vou pagar", explica ele.>
Os especialistas destacam que as próprias comissões das empresas de remessas ou o tipo de câmbio que elas oferecem chegam a representar, em alguns casos, mais do que 1%.>
A análise do CDG indica que pode ocorrer evasão do imposto pelo uso de vias alternativas, mas também destaca que um possível efeito é o desestímulo ao envio de remessas, em até 1,6%.>
O objetivo inicial da iniciativa do presidente americano Donald Trump era que o imposto sobre as remessas de dinheiro gerasse uma arrecadação de US$ 26 bilhões (cerca de R$ 143 bilhões) em 10 anos.>
As remessas também têm grande incidência sobre outros países fora da América Latina, principalmente a Índia e a China.>
O imposto fazia parte do seu recém-aprovado "grande e belo projeto de lei", que fez com que o Departamento de Segurança Nacional e outras agências migratórias, como o ICE (Serviço de Imigração e Alfândega, na sigla em inglês), conseguissem um orçamento recorde para cumprir com seus objetivos de deter e deportar migrantes sem documentos, além de fazer avançar a construção do muro na fronteira sul do país.>
Mas a redução do imposto para 1% significa que a receita fiscal a ser gerada será muito menor que o esperado.>
O CDG indica que, na melhor das hipóteses, a receita do país seria de US$ 4,6 bilhões (cerca de R$ 25,3 bilhões), já que a lei aprovada incluiu os remetentes de remessas por qualquer motivo, incluindo os cidadãos americanos — não apenas os imigrantes originários de outros países, como foi proposto inicialmente.>
Mas este valor está muito longe dos mais de US$ 100 bilhões (cerca de R$ 550 bilhões) que o ICE irá receber nos próximos quatro anos. O organismo é responsável por realizar as detenções e deportações de migrantes sem documentos.>
Para Mario Campa, o imposto é mais uma mensagem do governo Trump na sua iniciativa contra os imigrantes sem documentos.>
"É um jogo de sinais para mostrar rigor contra os migrantes", explica ele. "Estão tentando vender a ideia de que o orçamento adicional para o Departamento de Segurança Nacional virá de um pagamento dos migrantes, quando, na verdade, a arrecadação será baixa.">
Como ocorre com as tarifas de importação, Trump e seus aliados no Congresso podem ter usado o imposto sobre as remessas nas suas negociações com os países latino-americanos, "porque houve lobby entre os governos para que não se impusesse este imposto sobre as remessas", segundo Campa.>
O que, sim, poderia gerar maior efeito sobre as remessas são as perseguições de migrantes, segundo os analistas. Elas vêm causando faltas ao trabalho, desde que Trump iniciou sua ofensiva.>
"E, com menos receita disponível, diminuem as transferências", explica Campa. "E tem havido menos migração e mais deportações nos últimos meses, o que reduz o montante das remessas.">
Barrientos também considera que a tendência de alta nas remessas para os diferentes países pode se desacelerar.>
Alternativamente, a medida poderá gerar mais receio entre os trabalhadores, se a aplicação do imposto for associada a algum tipo de registro que exponha a presença de imigrantes sem documentos.>
Ainda assim, o especialista acredita que os migrantes continuarão enviando dinheiro para suas famílias. Afinal, este é o objetivo que os levou a sair dos seus países.>
"Para a vida do migrante, cada mês é um ciclo de vida", conclui Barrientos.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta