Publicado em 22 de dezembro de 2025 às 05:44
"Meninas, levantem as mãos, nós somos a força delicada que vai transformar o mundo", diz Michelle Bolsonaro a uma plateia bolsonarista atenta em Fortaleza, no Ceará.>
"Nós somos maioria, e nós definimos uma eleição", completou a ex-primeira-dama, no encontro realizado ao fim de novembro, quando ela disse ter aceitado uma missão para fazer "uma política limpa", exortando as mulheres a se evolverem.>
A BBC News Brasil acompanhou nas últimas semanas a movimentação de Michelle, que se consolida como uma importante liderança da direita após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ser preso, em meados de agosto, condenado a 27 anos e três meses em regime fechado, por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes.>
A ida da ex-primeira-dama ao Ceará desatou uma crise dentro do PL, após Michelle se opor a uma aliança do partido com Ciro Gomes no Estado, num exemplo de como a ex-secretária parlamentar e mãe de duas filhas ganhou projeção política, tornando-se uma figura central para os rumos da direita em 2026.>
>
Michelle tem articulado candidaturas conservadoras em diferentes Estados e, a menos de um ano das eleições, ganhou destaque em pesquisas de intenção de voto como opção competitiva para enfrentar o presidente Lula em outubro.>
Políticos e analistas a colocam como maior liderança feminina da política brasileira hoje. E sua força, dizem, vem de sua autenticidade como líder conservadora cristã.>
"Isso tem uma força política enorme, ainda mais em razão do fato de ela ser esposa da maior liderança política da direita no país", afirma o ex-deputado federal Deltan Dellangnol (Novo).>
"Ela acaba, na minha visão, sendo a segunda grande maior liderança política da direita no nosso Brasil", completa o ex-procurador da República, que coordenou a Operação Lava-Jato e foi cassado em 2023 por fraude contra a Lei da Ficha Limpa.>
A ascensão de Michelle Bolsonaro na política causa desconforto dentro do PL e provoca turbulências no coração do bolsonarismo.>
Sua crescente proeminência teria sido um dos fatores que precipitou o ex-presidente a apontar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) como seu candidato ao Palácio do Planalto, no início de dezembro.>
Na terça-feira (23/12), Jair Bolsonaro deverá conceder sua primeira entrevista desde que foi preso, ao portal Metrópoles. É grande a expectativa para que ele comente a disputa entre Flávio, Michelle e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua benção para as eleições de 2026.>
Mas como uma primeira-dama discreta chegou a essa posição de liderança na direita brasileira? >
Conheça o passado e o futuro de Michelle Bolsonaro e entenda o papel que ela pode ter em 2026.>
Nascida na Ceilândia, região pobre do Distrito Federal, Michelle é filha de uma dona de casa e um motorista de ônibus aposentado.>
Ela começou a trabalhar logo depois do Ensino Médio: foi demonstradora de produtos em um supermercado e chegou a considerar a carreira de modelo — mas desistiu seguindo o conselho de uma colega da igreja.>
Bolsonaro e Michelle se conheceram em 2007, quando ela tinha 25 anos e ele, 52. >
Ela trabalhou como secretária nos gabinetes dos deputados federais Vanderlei Assis (PP-SP) e Dr. Ubiali (PSB-SP) e na liderança do PP.>
Quando o romance começou, Bolsonaro a contratou em seu gabinete e eles formalizaram a relação no mesmo ano. Seu salário cresceu rapidamente após o enlace.>
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a remuneração de Michelle chegou a R$ 8 mil, mais do que o triplo do que ela recebia no gabinete anterior. O valor equivaleria a mais de R$ 20 mil reais nos dias de hoje, feita a correção pela inflação.>
Michelle foi demitida de sua posição no gabinete de Bolsonaro em 2008, após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir contratações de parentes por deputados.>
Depois disso, ela passou a se dedicar a atividades na igreja e a ações sociais, em especial com pessoas surdas. Tornou-se intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e inclusive discursou nela na posse presidencial de Bolsonaro, em janeiro de 2019.>
Os dois tiveram uma filha em 2010, Laura Bolsonaro, a segunda filha de Michelle, que já era mãe de Letícia Firmo, fruto do primeiro casamento da ex-primeira-dama com o engenheiro elétrico Marcos Santos da Silva.>
Em 2020, suspeitas de corrupção da família Bolsonaro respingaram na primeira-dama.>
Foi revelado que ela recebeu na sua conta R$ 89 mil em cheques depositados por Fabrício Queiroz, amigo de Jair Bolsonaro e acusado de operar um esquema de desvio de verbas no antigo gabinete de deputado estadual de Flávio Bolsonaro.>
O caso está atualmente parado na Justiça, após o STF avaliar que houve ilegalidades nas investigações.>
Bolsonaro disse à época que os cheques na conta da Michelle seriam para ele, como pagamento de um empréstimo, mas nunca provou ter emprestado recursos para Queiroz.>
Após o caso, a primeira-dama ganhou o apelido de "Micheque" nas redes socais.>
Durante a maior parte do mandato do marido, Michelle foi uma primeira-dama discreta e focada no público vulnerável, como surdos e portadores de doenças raras.>
Foi na campanha de 2022 que ela ampliou sua atuação política, tentando atrair mais votos femininos para Bolsonaro, que enfrentava resistência nesse eleitorado.>
Já em março de 2023, ela assumiu a presidência do PL Mulher, cargo que lhe garante hoje salário de mais de R$ 40 mil.>
Nessa função, passou a viajar o Brasil em jatinho particular para eventos da sigla, com objetivo de ampliar a participação feminina. Desde então, foram mais de 50 mil novas filiadas ao PL, crescimento acima da média dos demais partidos.>
A pesquisadora Lilian Sendretti, do Núcleo de Democracia e Ação Coletiva (NDAC) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), avalia que Michelle mudou radicalmente a forma do PL se comunicar com o público feminino.>
"Mudou muito", diz a cientista política. "Assim como a estética de comunicação do PL Mulher, além de ser mais incisivo, virou um 'Michelismo', tem Michelle Bolsonaro para todo os cantos", afirma a pesquisadora.>
A deputada federal Bia Kicis (PL-SP) avalia que Michelle também mudou com a experiência de liderar o PL Mulher.>
"Ela foi ganhando muita confiança com esse trabalho à frente do PL e isso fez com que ela ousasse se posicionar mais. E ela se tornou uma figura muito querida", diz Kicis.>
A projeção política que Michelle veio construindo nos últimos três anos ganhou nova escala com a prisão do marido, preso preventivamente desde agosto, mesmo antes da condenação por tentativa de golpe de Estado.>
Com Bolsonaro em uma sala de Estado na superintendência da Polícia Federal em Brasília, ela se tornou uma das porta-vozes do marido, ao lado dos filhos do ex-presidente.>
Os ruídos criados por essa multiplicidade de vozes explodiram na crise do Ceará, em novembro.>
Oito dias após Jair Bolsonaro ser levado para sua cela especial na PF, Michelle foi recebida como estrela principal de evento em Fortaleza, realizado num domingo (30/11), ganhando acolhimento caloroso do público.>
Ao pegar o microfone, ela criticou o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e o presidente estadual do partido, deputado federal André Fernandes, exaltando sua própria liderança no partido, como presidente do PL Mulher.>
"Se o meu presidente [do PL, Valdemar Costa Neto] apoia outro candidato, é ele, ele não me representa, ele não fala por mim, eu sou presidente [do PL Mulher], tenho autonomia do meu movimento feminino que se tornou o maior da história", disse, no evento.>
Depois, Michelle lembrou diversos ataques de Ciro Gomes a seu marido, inclusive ele ter celebrado a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornou Bolsonaro inelegível, após uma ação proposta pelo seu antigo partido, o PDT.>
"É sobre isso. É sobre essa aliança que vocês se precipitaram em fazer", continuou.>
Depois do episódio, os três filhos mais velhos do ex-presidente – Flavio, Eduardo e Carlos – disseram que a fala de Michelle foi autoritária e contrariou orientação do próprio Bolsonaro.>
A ex-primeira-dama ganhou a disputa e o PL suspendeu a negociação com Ciro Gomes.>
No entanto, dias depois, Flávio Bolsonaro foi anunciado como o escolhido por Jair para enfrentar Lula em 2026, no que foi considerado por analistas políticos um ato público de desautorização de Michelle.>
Segundo pesquisa Ipsos Ipec do início de dezembro, a ex-primeira-dama aparece com 23% de intenção de voto no primeiro turno, contra 38% de Lula.>
Nos outros cenários testados, Flávio Bolsonaro aparece com 19%. E o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, com 17%.>
"Descartar a Michelle é descartar a única possibilidade de se manter o legado de Bolsonaro vivo", considera o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ).>
"Ela tem algo que na política se conta muito. Ela tem credibilidade", completa.>
Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara e alvo de operação da PF na sexta-feira (19/12), diz que o destino político de Michele deverá ser definido no próximo ano.>
"Se senadora, se presidente, vice-presidente", enumerou Sóstenes, em entrevista a BBC News Brasil concedida antes da operação da PF.>
Michelle, porém, não é consenso nem dentro do bolsonarismo. >
Um político do PL disse reservadamente à BBC News Brasil que o episódio do Ceará implodiu a possibilidade de ela entrar em uma chapa presidencial em 2026.>
Para o diretor de análise política da AtlasIntel, Yuri Sanches, um dos desafios para uma candidatura presidencial da ex-primeira-dama é o interesse de partidos da direita e do Centrão em eleger alguém que não seja da família Bolsonaro.>
"Essa eleição se torna crucial para retirar, de certa forma, uma dependência que a direita brasileira tem do bolsonarismo pra ter um sucesso eleitoral", diz Sanches.>
"Então é uma eleição em que se abre uma janela para a direita brasileira de, ao mesmo tempo que eles tentam e precisam dialogar com a base eleitoral de Jair Bolsonaro e criar uma relação favorável e eficaz, eles também estão olhando essa independência, essa construção de uma autonomia", completa o analista.>
Na entrevista de Bolsonaro nesta terça-feira, apoiadores e críticos de Michelle deverão buscar pistas do futuro da ex-primeira-dama, que entrará em 2026 ainda indefinido.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta