Publicado em 9 de maio de 2022 às 10:32
Após muita antecipação e a expectativa de que faria um anúncio de grande impacto sobre a Guerra da Ucrânia, Vladimir Putin entregou um discurso convencional para celebrar o 77º aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista, nesta manhã em Moscou.>
Evocou o passado e associou o governo em Kiev ao nazismo, mas não anunciou uma mobilização nacional ou declarou guerra à Ucrânia, muito menos à Otan, aliança militar ocidental que está fornecendo o grosso das armas usadas pelos vizinhos contra a Rússia. Também não houve triunfalismo sobre vitórias inexistentes até aqui.>
"Vocês estão lutando pela Pátria Mãe, pelo seu futuro, então não esqueçam as lições da Grande Guerra Patriótica. Não há lugar no mundo para carrascos, justiceiros e nazistas", disse Putin, referindo-se ao nome russo aos anos do conflito mundial travados pela União Soviética --iniciado em 1939 na Europa, ele chegou dois anos depois ao país então liderado por Josef Stálin, que até ali era aliado de Adolf Hitler.>
"Você estão lutando pela mesma coisa que seus pais e avós lutaram", disse. Putin falou por 11 minutos, a partir das 10h15 (4h15 em Brasília), um pouco mais cedo do que o previsto e com duração algo maior do que em outros anos. Foi saudado por tiros de canhão junto à muralha do Kremlin, no ritualizado desfile.>
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Este ano, ele foi um pouco menor do que no ano passado, com 11 mil militares antes 12 mil em 2021, e houve um anticlímax que pode ter um sentido político de distensão. Um mau tempo não perceptível foi usado como justificativa para o cancelamento de parada aérea que se destinaria a provocar o Ocidente com uma grande exibição de aviões com capacidade nuclear e a aeronave "do Juízo Final", na qual Putin embarcaria em caso de uma guerra atômica.>
O mais próximo que Putin chegou de citar os temores de uma Terceira Guerra Mundial, que têm acompanhado o desenvolvimento de uma guerra perto das fronteiras da Otan, foi dizer a obviedade de que "devemos evitar os horrores de uma nova guerra mundial".>
Apesar da falta do simbolismo nos ares, no solo houve a tradicional rolagem de grandes mísseis intercontinentais com capacidade nuclear, ao lado de blindados, tanques, sistemas antieáreos e a tropa. Com isso, o Kremlin manteve sua promessa de que nada muito fora do normal seria anunciado nesta segunda (9). Nem a conquista de Mariupol, onde apenas um bolsão de resistência numa siderúrgica separa a Rússia do controle total de toda a faixa ligando o Donbass (leste russófono) e a Crimeia anexada em 2014, foi citada.>
A primeira fase da guerra de Putin fracassou, com um ataque em diversas frentes incongruentes e com pouca força sendo repelido até a retirada, no mês passado. O russo obviamente não citou isso, mas lembrou que "a morte de cada um de nossos soldados e oficiais é um luto para nós e uma perda irreparável". Agora, a invasão está focada no Donbass e no sul do país.>
Na comunidade militar russa, há grande pressão por uma escalada com mais recursos humanos para a guerra, que, tratada legalmente por Putin como "operação militar especial", não tem poderes de mobilização total, com uso de conscritos e reservistas. Claro, em outras ocasiões, Putin tripudiou de expectativas ocidentais, como quando fez piada sobre a invasão da Ucrânia em 16 de fevereiro. A data havia sido citada pelos EUA, mas no dia o russo recebia Jair Bolsonaro, só para fazer a guerra na semana seguinte.>
Putin repetiu, com pouca variação, o que vem falando desde a invasão do vizinho, há 75 dias. "Vocês estão lutando por nosso povo no Donbass, pela segurança da Rússia", disse. O reconhecimento das duas autoproclamadas repúblicas da região, na prática autônomas desde a guerra civil iniciada em 2014, foi o prelúdio da guerra e uma de suas razões.>
Outro motivo alegado, que fora objeto de um ultimato ao Ocidente em dezembro, havia sido impedir a adesão da Ucrânia à Otan, trazendo forças inimigas para sua maior fronteira a oeste. Voltou a dizer que a culpa pela guerra reside no que vê como conluio ocidental com Kiev, e que "não teve opção".>
"Os países da Otan não quiseram nos ouvir. Eles tinham planos diferentes, e nós vimos isso. Eles estavam planejando uma invasão de nossas terras históricas, incluindo a Crimeia. A Rússia rejeitou preventivamente a agressão, foi uma decisão forçada, oportuna e correta", disse o presidente russo, no poder desde 1999.>
Ao mesmo tempo, não elevou demais a retórica e agradeceu aos Aliados por seu papel na guerra, que puniu os soviéticos mais agudamente. O país extinto em 1991, do qual a Rússia é a herdeira legal, perdeu 27 milhões de cidadãos na guerra, 40% do total estimado de todo o conflito.>
Repetiu o discurso de que os ucranianos buscariam ter armas nucleares, o que foi a leitura de uma fala do presidente Volodimir Zelenski comentando o fato de que Kiev entregou seu arsenal remanescente da ruptura da União Soviética a Moscou em 1994. "Tudo indicou um embate com os neonazistas, com os Banderas (simpatizantes de Stepan Bandera, líder fascista ucraniano do século 20), apoiados pelos EUA e seu parceiros menores, era inevitável", afirmou.>
Zelenski criticou a fala e disse que o rival "não pode se apropriar" da vitória de 1945. O russo está fazendo "uma sangrenta encenação do nazismo", disse. Já o secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, disse que Putin "desonra o passado militar da Rússia".>
O Dia da Vitória é o mais sagrado do ano cívico da Rússia de Putin. A celebração da vitória soviética é associada pelo Kremlin ao renascimento político do país após os anos de caos da década de 1990, quando a dissolução de 1991 legou crise permanente e o empobrecimento russos.>
Montado no ciclo de valorização das commodities, e a Rússia é grande produtora de gás e petróleo, Putin logrou melhorar as condições gerais de vida no país, às custas de uma ossificação do sistema político. Com a exceção dos períodos em foi premiê em 1999 e voltou ao cargo para mandar no governo do protegido Dmitri Medvedev (2008-12), ele é o presidente do país desde o Ano Novo de 2000.>
O desfile, ainda que fraco em termos noticiosos, repetiu a elaboração de todos os anos. O ministro da Defesa, Serguei Choigu, e o chefe das Forças Terrestres, Oleg Saliukov, desfilaram em carros abertos e escoltaram Putin a pé pela praça Vermelha, passando tropa em revista a depois homenageando o Túmulo do Soldado Desconhecido, no jardim lateral do Kremlin.>
Curiosamente, o Z, letra latina que virou símbolo da invasão ao ser pintada nos blindados a helicópteros usados na Ucrânia, esteve largamente ausente do desfile. No desfile aéreo previsto, caças formariam a letra no céu. Putin usava na lapela do sobretudo a tradicional fita de São Jorge, laranja e preta, antigo símbolo militar russo.>
Se os aviões não sobrevoaram a praça Vermelha, continuaram ativos nos céus ucranianos, onde a ofensiva russa segue nesta segunda. Houve ataques com mísseis em Odessa, grande porto no sudoeste do país e porta de saída da Ucrânia para o mar Negro.>
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