Publicado em 22 de agosto de 2023 às 06:50
Num restaurante português na região central de São Paulo, o carro-chefe do cardápio é o bacalhau à lagareiro, servido com batatas, brócolis, ovo cozido, azeitonas e alho, e mergulhado em quase meio litro de azeite. >
Pelas contas do proprietário Vitor Manuel Ferreira Pires, de 54 anos e nascido em Miranda do Douro, na região portuguesa de Trás-os-Montes, a casa utiliza em seus pratos cerca de 200 litros de azeite de oliva por mês.>
Assim, o empresário tem sentido no dia-a-dia a alta global de preços do azeite.>
"Para nós, o azeite aumentou em torno de 30% nos últimos quatro ou cinco meses, estamos pagando cerca de R$ 150 por galão de três litros, portanto quase R$ 50 o litro", diz Pires, dono do restaurante O Mirandês.>
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No varejo, os preços estão ainda mais salgados: consumidores relatam nas redes sociais encontrar o azeite em embalagens de 500 ml a R$ 30 ou até R$ 40 nos supermercados.>
Segundo levantamento da empresa de inteligência de mercado Horus, a partir do acompanhamento de mais de 40 milhões de notas fiscais por mês, o preço médio do azeite virgem nos supermercados brasileiros estava em R$ 20 em julho de 2021, subindo a R$ 25 em igual mês de 2022 e a R$ 30 este ano.>
Trata-se de uma alta de 50% do preço médio do produto em dois anos, comparado a uma inflação acumulada de 15% neste período, segundo o IPCA do IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).>
E aos amantes do azeite, uma má notícia: não há perspectiva de melhora nos preços do produto à frente. >
Com estoques globais nas mínimas históricas, projeções ruins para a próxima safra na Europa e a expectativa de avanço das mudanças climáticas, os preços altos devem ser o "novo normal", dizem analistas ouvidos pela BBC News Brasil. >
Em agosto, o preço do azeite na região da Andaluzia, na Espanha – país responsável por mais de 40% da produção global do óleo – está em 8,20 euros (R$ 44,60) por quilo, mais do que o dobro (+116%) dos 3,80 euros por quilo de igual mês de 2022 e recorde histórico.>
Na Itália, os preços do azeite estão em alta de 98% em relação ao ano passado e, na Grécia, o avanço é de 114%, segundo levantamento da empresa de inteligência de mercado e preços de commodities Mintec. >
Os três países, além de Portugual, produzem juntos 66% de todo o azeite do mundo, segundo dados do Conselho Oleícola Internacional (IOC, na sigla em inglês), organização que reúne os países produtores de azeitona e azeite de oliva. >
"Para explicar a alta nos preços do azeite é preciso voltar à safra passada", diz Kyle Holland, analista de óleos vegetais da Mintec, à BBC News Brasil.>
"Os principais países exportadores de azeite tiveram um período de crescimento [das azeitonas, os frutos das oliveiras] muito, muito seco. As árvores não tiveram umidade suficiente e muitas delas não produziram nenhum fruto", relata Holland.>
A Espanha, por exemplo, produz normalmente entre 1,3 e 1,5 milhão de toneladas métricas de azeite por ano, observa o analista – cada tonelada métrica equivale a 1.000 quilos. >
Mas, na safra 2022/2023, estima-se que o país tenha produzido apenas 610 mil toneladas do óleo, segundo Holland.>
A situação dos olivais da Espanha é tal que, em maio, o bispo Sebastián Chico Martínez, da cidade de Jaén, na Andaluzia, liderou uma procissão religiosa onde os fiéis clamaram aos céus por chuva – a província de Jaén tem mais de 60 milhões de oliveiras e produz 40% de todo o azeite espanhol.>
Uma procissão pedindo chuva não acontecia na região desde 1949, segundo a imprensa local.>
"Sem água, não há azeitona, e sem azeitona, a província sofre", disse o bispo à época, segundo o jornal espanhol El País. >
Com a fraca safra, os estoques de azeite na Espanha eram estimados pela Mintec em 205 mil toneladas em junho, um baixo patamar sem precedentes. >
"Não estamos falando apenas do azeite de alta qualidade, mas de todo o azeite que está nas mãos dos produtores. Então há uma preocupação de que, com o passar do ano e até que comece a próxima safra [em outubro], os estoques de azeite possam chegar a zero na Espanha", diz Holland. >
Tomy Rohde, um agricultor andaluz popular nas redes sociais, também expressou em junho seu temor de esgotamento dos estoques espanhóis de azeite nos próximos meses.>
"De setembro a outubro costuma haver meio milhão de toneladas de azeite na reserva, porque a Espanha, além de produzir quase metade do azeite do mundo, e da melhor qualidade que existe, também importa ao mesmo tempo que exporta", disse Rhode, em vídeo publicado nas redes.>
"O ritmo de saída mensal de azeite das cooperativas de prensa e envase é maior do que sabemos que temos de azeite produzido este ano", acrescentou.>
"Assim, acontece algo que nunca aconteceu na história: não sabemos se vamos chegar a setembro-outubro com azeite na Espanha. Veja a loucura que está acontecendo.">
Com os problemas climáticos nos principais países produtores da Europa, o mercado se voltou para produtores alternativos, como Tunísia, Turquia, Marrocos e Argélia.>
No entanto, diante da escassez global, a Turquia anunciou em agosto a proibição da exportação de azeite de oliva até novembro, quando começa a próxima colheita, com objetivo de controlar a alta de preços no mercado interno.>
"Isso aumentou a pressão sobre o mercado, tornando mais difícil agora obter o óleo dos países alternativos", diz Holland, da Mintec.>
Mas as perspectivas negativas para os preços do azeite não param por aí, alerta o analista.>
"O clima continua pouco favorável na Espanha e na maioria dos países europeus. Então a expectativa para a próxima safra espanhola – que vai de outubro até fevereiro – é de que ela seja novamente muito fraca, com alguns agentes do mercado falando em uma produção máxima de 700 mil toneladas métricas, novamente abaixo da média histórica.">
O Brasil é o segundo maior importador de azeite do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e à frente de Japão, Canadá, China e Austrália – os seis países e a União Europeia (um bloco de países) representam juntos quase 80% das importações globais do produto, segundo o Conselho Oleícola Internacional.>
Ainda conforme o organismo internacional, o país importava antes da crise atual pouco mais de 100 mil toneladas métricas de azeite por ano, ou cerca de 100 milhões de litros.>
A produção nacional de azeite deve chegar a pouco mais de 705 mil litros em 2023, segundo dados do Ibraoliva (Instituto Brasileiro de Olivicultura), entidade que reúne os produtores brasileiros de azeitonas e azeite de oliva. >
Assim, apesar de crescente, a produção nacional de azeite não chega a 1% do consumo local do produto, o que torna o mercado brasileiro bastante suscetível às variações de preços globais.>
"Até julho, foram importadas 39 mil toneladas de azeite de oliva extra virgem, isso representa menos 20% em relação a igual período do ano anterior", diz Rita Bassi, presidente da Oliva (Associação Brasileira de Produtores, Importadores e Comerciantes de Azeite de Oliveira), entidade que reúne as principais empresas do setor, como Gallo, Andorinha, Borges, Cocinero, Cargill, entre outras.>
"Além da importação menor, o preço médio de importação esse ano está 34% maior, então obviamente não tem como não ter um aumento de preço no produto", diz a executiva.>
"As empresas estão fazendo todos os esforços para não colocar no preço todo esse problema mundial. Elas estão segurando [reajustes], mas obviamente não dá para fazer isso na sua totalidade e durante muito tempo", acrescenta. >
Segundo a presidente da associação, uma das estratégias das empresas para se adaptarem ao cenário de preços mais altos tem sido oferecer aos consumidores embalagens menores, a preços mais acessíveis. >
Bassi alerta, porém, para um problema decorrente da alta de preços: o aumento da venda de azeites adulterados no país.>
"Quando há um cenário de escassez da oferta e aumento do preço da matéria-prima, aparecem os oportunistas e a fraude aumenta muito", afirma a executiva.>
"Portanto, recomendo aos consumidores: cuidado com a marca que você compra, evite marcas desconhecidas. Fique atento ao preço, pois milagres não existem. E tente aproveitar as promoções no varejo das marcas que você já conhece e confia.">
Enquanto o azeite fica cada vez mais caro, o oposto acontece com o óleo de soja, que registra queda de preços de 37% no acumulado de 12 meses até julho, segundo o IBGE.>
"Com a safra recorde, o preço do óleo de soja no mercado local vem baixando e puxando os demais [óleos vegetais] para baixo", diz Laura Pereira, especialista em óleo de girassol e azeite de oliva da Aboissa Commodity Brokers. >
"Temos milho, girassol e canola, que são produtos mais premium, e mesmo eles têm acompanhado a variação do óleo de soja", observa a analista.>
Segundo Pereira, essa combinação de fatores pode levar os brasileiros a reduzirem o consumo de azeite, que já é baixo na comparação internacional. >
Segundo o Conselho Oleícola Internacional, os brasileiros consomem 0,4 kg de azeite por pessoa por ano, comparado a 11,5 kg na Grécia, 10,6 kg na Espanha e 7,5 kg na Itália, os maiores consumidores de azeite per capita do mundo.>
"Essa variação tão grande [de preços do azeite e do óleo], num país de terceiro mundo com uma cultura de consumo de soja, vai fazer com que a gente segmente mais [o consumo de azeite] entre as classes sociais", diz Pereira.>
"Vamos ter mais gente consumindo óleo de soja", acredita a analista. "Mesmo para os óleos de milho, canola e girassol, já está havendo essa substituição. Se isso acontece com produtos que são mais próximos em preço [ao óleo de soja], imagina com o azeite de oliva, que hoje está passando dos R$ 30 na gôndola.">
O caso do azeite de oliva, afetado pela falta de chuvas nos dois últimos anos na Europa, ilustra uma preocupação global crescente: a do impacto das mudanças climáticas sobre os preços mundiais dos alimentos.>
Um estudo publicado em junho pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Instituto Potsdam de Pesquisa em Impacto Climático (PIK, na sigla em alemão) estimou que o aquecimento global pode aumentar a inflação mundial em até 1,18 ponto percentual ao ano até 2035 e o preço dos alimentos em até 3 pontos percentuais ao ano neste mesmo horizonte de tempo.>
"As mudanças climáticas futuras ampliarão a magnitude dos extremos de calor, ampliando também seus impactos potenciais sobre a inflação", alertam os autores do estudo. >
Kyle Holland, da Mintec, avalia que, para o azeite, a alta de preços é possivelmente um caminho sem volta.>
"As oliveiras resistem bem ao calor, mas nos períodos prolongados de seca, quando a irrigação se torna mais difícil, elas sofrem", diz Holland.>
"Muitos agentes avaliam que essa tendência vai continuar, então eles estão bastante preocupados que os preços não têm perspectiva de queda e que o nível atual de preços talvez seja um 'novo normal'.">
Vitor Manuel Ferreira Pires, o português dono de restaurante em São Paulo, está atualmente em Portugal e conta que já vê os efeitos da mudança climática na sua terra natal.>
"Eu nasci em Portugal, morei aqui até os 17 anos e, este ano, me deparei com um verão com 42°C, realmente uma coisa que eu nunca tinha visto na minha vida", diz o empresário.>
"Andei pelos campos, por olivais, por vinhas, e vi a situação aqui – realmente atrapalha em muito a produção daquilo que a gente sempre fez: o vinho, o azeite, a cortiça. Uma série de coisas que são típicas do país estão se esvaindo, por causa do próprio homem. Então isso realmente me preocupa muito.">
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