Publicado em 13 de agosto de 2024 às 05:47
Uma bolsa da moda feita de couro de jacaré e pequenos frascos de perfume que ainda liberam um aroma potente são apenas alguns dos artefatos preciosos recuperados do naufrágio mais famoso do mundo, o Titanic.>
A localização exata do armazém onde esses objetos estão é um segredo bem guardado, para proteger o local de possíveis ladrões. Tudo o que podemos dizer é que ele fica em algum lugar em Atlanta, Geórgia, nos Estados Unidos.>
No interior, as prateleiras estão abarrotadas com milhares de itens, de pequenos botões a uma banheira virada e copos de vidro intrincadamente decorados. >
A BBC teve a rara chance de visitar o depósito e descobrir as histórias por trás de alguns desses objetos.>
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“É uma bolsa pequena, realmente linda e elegante”, diz Tomasina Ray, diretora de coleções da RMS Titanic Inc, a empresa que se dedica à recuperação dos itens.>
A empresa norte-americana tem os direitos para recuperar os itens do navio e, ao longo dos anos, resgatou 5.500 objetos do local do naufrágio. >
Um deles é uma bolsa de jacaré que sobreviveu décadas nas profundezas do Atlântico Norte, preservando itens que estavam dentro dela.>
Isso pôde revelar alguns detalhes da vida de sua dona, uma passageira de terceira classe chamada Marian Meanwell.>
“Ela era uma chapeleira de 63 anos”, conta Tomasina. “Ela estava viajando para os EUA para ficar com sua filha, que havia ficado viúva recentemente.”>
Dentro da bolsa, estava uma fotografia desbotada, que se acredita ser a imagem da mãe de Marian Meanwell.>
Também havia a papelada que ela precisaria para sua nova vida nos EUA, incluindo uma carta de referência manuscrita do antigo proprietário do imóvel que viveu em Londres. >
O texto diz: "Sempre achamos a Srta. Meanwell uma boa inquilina, pontual com o pagamento.">
Seu atestado médico também estava lá dentro — todos os passageiros da terceira classe precisavam disso para provar que não estavam levando doenças para os EUA. >
Mas este documento manchado de água revela uma trágica reviravolta do destino.>
Marian Meanwell tinha uma reserva no Majestic, outro navio da empresa White Star Line. Mas ele não partiu: no cartão, "Majestic" está riscado e a passagem mostra que ela foi transferida para o Titanic e se tornou uma das 1.500 pessoas a perder a vida.>
"Poder contar sua história e ter esses objetos é realmente importante", diz Tomasina. "Caso contrário, ela é apenas mais um nome na lista.">
Itens que pertenciam a sobreviventes do naufrágio também foram trazidos de volta das profundezas.>
Tomasina abre um recipiente de plástico, e um cheiro doce e enjoativo enche o ar. >
"É muito potente", diz.>
Dentro, há pequenos frascos de perfume. Eles estão lacrados, mas seu aroma forte escapa, mesmo depois de décadas no fundo do mar.>
"Havia um vendedor de perfume a bordo e ele tinha mais de 90 desses pequenos frascos de perfume", explica.>
O nome do vendedor era Adolphe Saalfeld e ele estava viajando como passageiro de segunda classe.>
Saalfeld foi uma das 700 pessoas que sobreviveram. Mas com mulheres e crianças priorizadas durante a evacuação, alguns homens que conseguiram sair do navio ficaram traumatizados.>
"Ele já tinha morrido quando encontramos isso", diz Tomasina. "Mas, pelo que entendi, ele viveu com um pouco de culpa — a culpa dos sobreviventes.">
Há também na coleção uma garrafa de champanhe, com a bebida e com a rolha no topo.>
"Um pouco de água provavelmente teria entrado pela rolha enquanto com a compressão e equalização da pressão. Então, ela simplesmente ficou no fundo do oceano", explica Tomasina.>
Quando o Titanic afundou em 1912, após bater em um iceberg, o navio se partiu e seu conteúdo se espalhou, criando um vasto campo de destroços.>
“Há muitas garrafas no fundo do oceano e muitas panelas, porque o Titanic se rompeu perto de uma das cozinhas”, diz Tomasina.>
Havia milhares de garrafas de champanhe a bordo: o proprietário do navio queria que seus passageiros de primeira classe experimentassem o máximo do luxo, com decoração suntuosa e a melhor comida e bebida.>
“Era como um palácio flutuante. O Titanic deveria ser o navio mais luxuoso”, afirma Tomasina. “Então, ter champanhe, ter uma academia, ter todas essas comodidades e essas coisas ótimas para os passageiros era muito importante para eles.”>
O Titanic estava em sua viagem inaugural, viajando de Southampton, na Inglaterra, para os EUA — quando atingiu o iceberg.>
O navio tinha recursos de segurança avançados para a época e era conhecido como "inafundável".>
Tomasina nos mostra alguns dos rebites do navio, pinos de metal que mantinham grossas placas de aço unidas. Deveria haver mais de três milhões deles.>
"Quando o Titanic afundou, havia uma hipótese de que ele tinha materiais abaixo do padrão, talvez, e isso teria feito com que afundasse mais rápido", explica Tomasina.>
Alguns desses rebites foram testados para ver se continham impurezas.>
"Havia altas concentrações de escória neles, que é um material semelhante ao vidro, o que os torna talvez um pouco mais quebradiços no frio", diz ela.>
"Se esses rebites fossem quebradiços e uma das cabeças dos rebites se soltasse mais facilmente, isso poderia ter permitido que a costura se abrisse onde o iceberg atingiu e tornasse [a ruptura] maior do que seria de outra forma.">
Tomasina diz que ainda há muito a aprender sobre como exatamente o navio afundou.>
"Podemos ajudar a investigar as hipóteses, para então conseguir contribuir para a ciência. A história por trás disso tudo é algo que estamos muito felizes em trazer.">
A vida a bordo era diferente para as classes sociais, até mesmo nas xícaras e pratos em que bebiam e comiam.>
Uma caneca branca de terceira classe é simples e resistente, com um logotipo vermelho da White Star. Um prato de segunda classe tem uma bela decoração floral azul e parece um pouco mais fino. >
Já um prato de jantar de primeira classe é feito de porcelana mais delicada. Ele tem um acabamento dourado e, sob a luz, você pode ver o desenho de um padrão com guirlandas. >
Os passageiros ricos da primeira classe recebiam itens de prata para suas refeições — mas, na terceira classe, a história era diferente.>
"Os passageiros da terceira classe provavelmente teriam manuseado a porcelana eles mesmos [em vez de funcionários]. Ela definitivamente foi feita para ser muito mais resistente e muito mais rudemente manuseada do que as outras porcelanas", explica Tomasina.>
A RMS Titanic Inc é a única empresa legalmente autorizada a recuperar itens do local do naufrágio — ela recebeu esse direito de um tribunal dos EUA em 1994. >
Mas ela tem que fazer isso sob condições rígidas: os itens devem sempre permanecer juntos, para que não possam ser vendidos separadamente, e devem ser conservados adequadamente.>
Até agora, todos os artefatos foram coletados da área dos destroços. >
Mas, recentemente, a empresa gerou controvérsia ao declarar seu desejo de recuperar um objeto dentro do próprio navio: o equipamento de rádio Marconi que transmitiu os pedidos de socorro do Titanic na noite do naufrágio.>
Alguns acreditam que o naufrágio é um túmulo e, por isso, deve ser deixado em paz.>
"O Titanic é algo que queremos respeitar", diz Tomasina em resposta.>
"Queremos ter certeza de que estamos preservando a memória, porque nem todos podem ir até o Titanic. Queremos poder levar isso ao público.">
Mais espaço pode ser necessário neste depósito secreto.>
A última expedição da empresa ao local envolveu a captura de imagens 3D detalhadas do naufrágio.>
Além de pesquisar sobre a condição atual da sala onde estava o rádio Marconi, a equipe também identificou objetos no campo de destroços que gostaria de recuperar em mergulhos futuros.>
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