Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 20:44
Em dia tenso na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB) anunciou, na tarde desta terça-feira (9/12), que pretende colocar em votação o projeto que altera a dosimetria das penas aplicadas a pessoas condenadas por crimes como golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de direito. >
A mudança afetaria diretamente os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). >
Segundo o relator da proposta, deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), se aprovado, o PL poderia fazer com que Bolsonaro, que foi condenado a 27 anos de prisão em setembro, possa sair da cadeia em pouco mais de dois anos.>
Desde a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, a bancada bolsonarista e parte do chamado Centrão vêm defendendo a aprovação de uma anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. >
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A proposta de anistia, porém, vem encontrando resistência tanto na esfera política, quanto na opinião pública e no mundo jurídico.>
Em setembro deste ano, por exemplo, uma pesquisa conduzida pelo Instituto Datafolha apontou que 54% da população brasileira era contra uma anistia a Bolsonaro, enquanto 39% seria a favor.>
Em meio ao impasse, a oposição passou a defender um projeto diferente prevendo a redução das penas de condenados na chamada trama golpista. O projeto ficou conhecido como "PL da Dosimetria".>
"Não se tratará de anistia, mas sim de uma possibilidade de redução de penas para essas pessoas que foram condenadas pelos atos de 8 de janeiro, tratando, assim, de um tema que acredito eu foi um tema de mais discussão aqui na casa ao longo deste ano. E nada mais natural do que chegarmos ao final do ano com a posição final da Casa", afirmou Motta em anúncio feito na tarde desta terça-feira.>
A decisão gerou reações negativas por parte da base governista, incluindo o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (PT-RJ).>
"Fomos surpreendidos com essa decisão que nós consideramos absurda e escandalosa porque, pela primeira vez na história, generais e um presidente envolvidos numa trama golpista foram julgados. É inaceitável que o Parlamento queira, de forma oportunista, reduzir a pena de Jair Bolsonaro. Toda lei tem que ser geral. Nós estamos fazendo claramente uma lei específica para beneficiar Bolsonaro", disse o parlamentar.>
A decisão de Motta acontece dois dias depois de o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ter anunciado que será candidato à Presidência da República com o aval de seu pai, Jair Bolsonaro, que está preso em uma cela especial na Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal, em Brasília.>
Após uma possível aprovação na Câmara, o PL da dosimetria enfrentaria outra batalha no Senado. Na tarde desta terça, o presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União-AP) afirmou que o Plenário dos senadores deve votar com rapidez o projeto "assim que chegar".>
Por outro lado, o senador que presidente a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), Otto Alencar (PSD-BA) defende que um projeto de tal relevância precisaria ser analisado antes pela comissão.>
Mas como o projeto poderia beneficiar Jair Bolsonaro?>
Na avaliação do relator do projeto, o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), caso o texto seja aprovado e vire lei, Bolsonaro poderia sair da prisão em aproximadamente dois anos e quatro meses.>
"Vamos pegar o caso do Bolsonaro. Ele foi condenado a 27 anos e três meses de prisão (...) nesse projeto que vamos votar, isso se reduz à medida em que juntamos as duas penas, a pena fica em 20 anos e 8 meses (...) com a remissão de penas, dá dois anos e quatro meses (para que ele saia)", disse o parlamentar em entrevista coletiva.>
A conta de Paulinho da Força se deve ao que prevê o texto. O relatório do projeto de lei prevê as seguintes alterações nas penas dos que cometeram crimes relacionados ao 8 de janeiro:>
Apesar de reconhecer que o projeto beneficiaria Bolsonaro, Paulinho da Força nega que o texto tenha sido feito exclusivamente em favor do ex-presidente.>
"A redução que eu faço é geral. Não tem distinção deste ou daquele. Vou reduzir da menina do batom e para o Bolsonaro, também", disse o parlamentar.>
A menção à "menina do batom" é um referência a Debora Rodrigues dos Santos, que foi condenada pelo STF a 14 anos de prisão por ter usado um batom para pichar uma estátua na Praça dos Três Poderes durante os atos de 8 de janeiro. >
Seu caso ficou conhecido e foi usado por bolsonaristas como suposta evidência de abusos cometidos pelo STF na condução dos casos envolvendo o episódio.>
Para entrar em vigor, porém, o projeto precisa ser aprovado na Câmara e no Senado e ser sancionado pela Presidência da República. Caso haja vetos vindos do Poder Executivo, eles ainda podem ser derrubados pelo Congresso Nacional. >
A BBC News Brasil também conversou com analistas políticos que avaliaram o que teria levado Motta a colocar o projeto que altera a dosimetria das penas em pauta neste momento. >
Segundo eles, Motta fez isso por uma conjuntura de fatores. Confira os principais fatores mencionados por eles:>
De acordo com a professora de Ciência Política da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Luciana Santanna, um dos principais motivos pelos quais o presidente da Câmara colocou o projeto em pauta foi para fazer uma demonstração de força em relação ao Poder Executivo, comandado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).>
Nos últimos meses, as relações entre Motta e a chefia do Executivo se desgastou por conta de divergências na tramitação de projetos de lei de interesse do governo, como o PL anti-facções, cuja relatoria acabou sendo dada por Motta a um dos deputados mais ferrenhos na oposição ao governo do PT, o deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP).>
No final de novembro, o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagens indicando que Motta teria rompido suas relações institucionais com Lindbergh Farias.>
Ainda de acordo com o jornal, Motta também teria se sentido afetado por campanhas publicitárias conduzidas por influenciadores digitais ligados ao PT com críticas à sua atuação no comando da Câmara.>
"O que motivou Motta a fazer isso é uma mistura de razões, mas uma das principais é a sua tentativa de medir forças com o Executivo. Ele vinha sendo alvo de muitas críticas por parte dos próprios deputados, especialmente da base bolsonarista, por ser visto como complacente com o governo. Agora, ele parece se sentir protegido para fazer esse movimento", disse a professora à BBC News Brasil.>
Para a professora, ao colocar um projeto de lei em pauta com o qual o governo não concorda, Motta também estaria ampliando suas chances de obter melhores condições para negociar pautas do seu interesse junto ao Executivo.>
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil também avaliam que o anúncio da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à Presidência também teria influenciado Motta a pautar o projeto da dosimetria.>
Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Marco Antonio Teixeira, Motta colocou o texto em pauta, também, para se proteger de uma eventual pressão que a candidatura de Flávio Bolsonaro poderia gerar.>
"Colocar o PL da dosimetria praticamente enterra a discussão sobre a anistia, que era a principal pauta dos bolsonaristas. Ao fazer isso, ele tira esse peso das costas e dá uma satisfação aos bolsonaristas", afirma o professor à BBC News Brasil.>
Para a professora Luciana Santanna, o lançamento da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro engrossou o coro da direita por alguma medida que pudesse beneficiar Jair Bolsonaro.>
"O fato de Flávio ter lançado seu nome como presidenciável fortalece esse núcleo mais radicalizado do bolsonarismo no Legislativo e cria condições para que Motta possa colocar o projeto em pauta", afirmou a professora.>
O líder da bancada do PT na Câmara, Lindbergh Farias, também associou a medida anunciada por Motta com o lançamento da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro.>
Em entrevista coletiva, Farias mencionou que a atitude de Motta poderia ser uma espécie de "preço" pago por ele para que Flávio desista de sua candidatura em favor de outros nomes.>
"Tivemos, na sexta-feira (5/12), o anúncio e no domingo (7/12), o Flávio disse que pode desistir, mas que tem um preço. Ao nosso ver, parece que esse preço começou a ser pago", disse Farias.>
A menção ao termo "pagar" foi uma alusão à declaração dada no domingo pelo senador que disse que poderia desistir de sua candidatura>
"Tem uma possibilidade de eu não ir até o fim. Eu tenho um preço para não ir até o fim. Eu vou negociar", disse o senador no domingo, sem citar que "preço" seria esse.>
Nos bastidores do Congresso Nacional, comenta-se que Flávio poderia desistir da sua candidatura caso algum outro candidato da direita prometesse medidas que poderiam beneficiar o seu pai como um indulto, graça ou anistia.>
Nesta terça-feira (9/12), porém, Flávio declarou a jornalistas que sua pré-candidatura seria "irreversível".>
Outro motivo apontado pelos especialistas é que Motta colocou o PL da dosimetria em pauta, também, para reduzir o desgaste político de outros casos com os quais ele vem tendo que lidar como os processos de cassação de deputados bolsonaristas como: Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP).>
Eduardo e Ramagem estão nos Estados Unidos e são alvos de pedidos de cassação por estarem fora de Brasília apesar de ainda estarem com mandatos parlamentares.>
Eduardo e Ramagem alegam que se mudaram para os Estados Unidos para fugir do que classificaram como perseguição política. O filho de Bolsonaro é réu em um processo criminal que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) por coação (uso de violência ou ameaça) para interferir no curso do processo criminal de seu pai.>
Ramagem foi condenado a 16 anos de prisão no processo que apurou a responsabilidade dos supostos líderes da trama golpista.>
Carla Zambelli, por outro lado, está presa na Itália após viajar ao país europeu depois de ser condenada a 10 anos de prisão por auxiliar um hacker a invadir o sistema de mandados de prisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).>
Os três negam seus envolvimentos nos crimes.>
Apesar disso, como os três ainda estão com mandatos em curso e até utilizando recursos de verbas parlamentares, Motta tem sido pressionado a colocar os pedidos de cassação do trio para andar.>
"Ele tem sido muito questionado sobre as incoerências em relação à (cassação) dos deputados. É uma situação que causa desconforto e ele está aproveitando esse momento para colocar tudo junto para ser votado", afirma a professora Luciana Santanna.>
Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP, cita, por outro lado, que Motta também foi estratégico ao incluir no pacote de pedidos de cassação um que tramita contra o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), processado por supostas agressões a um militante de direita dentro das instalações da Câmara dos Deputados.>
A inclusão desse pedido, no entanto, vem gerando polêmica na Câmara. Na tarde desta terça-feira, Braga sentou-se na cadeira da Presidência da Casa em protesto para impedir que seu pedido de cassação fosse votado.>
"Essas cassações estavam na agenda e a de Glauber Braga virou uma espécie de moeda de troca. Ele pensou: 'Já que temos que resolver as cassações dos deputados, nada como colocar uma moeda de compensação'", disse o professor.>
No cálculo de Teixeira, colocar a cassação de Glauber Braga para ser votada ao mesmo tempo das do trio bolsonarista cria um cenário para que governistas e oposição tenham que negociar entre si.>
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