Publicado em 15 de fevereiro de 2025 às 16:44
Todas as noites, antes de ir dormir, Holly Wang acessa o DeepSeek para fazer "sessões de terapia".>
Desde janeiro, quando o aplicativo chinês de inteligência artificial foi lançado, Holly, de 28 anos, tem compartilhado seus dilemas e lamentações, incluindo a recente morte da avó, com o chatbot. As respostas dele ressoaram tão profundamente que chegaram a levá-la às lágrimas.>
"O DeepSeek tem sido um terapeuta incrível. Ele me ajudou a ver as coisas de diferentes perspectivas, e faz um trabalho melhor do que os serviços de terapia pagos que tentei", diz Holly, que pediu que seu nome verdadeiro não fosse divulgado para proteger sua privacidade.>
Desde escrever relatórios e fórmulas do Excel até planejar viagens, exercícios físicos e aprender novas habilidades, os aplicativos de inteligência artificial entraram na vida de muita gente ao redor do mundo.>
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Na China, porém, jovens como Holly têm procurado a inteligência artificial para algo que normalmente não se espera da computação e dos algoritmos: apoio emocional.>
Embora o sucesso do DeepSeek tenha sido uma fonte de orgulho nacional, o chatbot também parece ter se tornado uma fonte de conforto para jovens chineses como Holly, alguns dos quais estão cada vez mais desiludidos em relação ao futuro.>
Especialistas afirmam que a estagnação da economia, o alto índice de desemprego e os lockdowns impostos para conter a pandemia de covid-19 desempenharam um papel importante nesse sentimento, enquanto o controle social cada vez maior do Partido Comunista também reduziu as oportunidades para que as pessoas expressem suas frustrações.>
O DeepSeek é uma ferramenta de inteligência artificial generativa — semelhante ao ChatGPT, da OpenAI, e ao Gemini, do Google — treinada a partir de grandes quantidades de informações para reconhecer padrões. Isso permite que ele preveja coisas como os hábitos de consumo de alguém, crie novos conteúdos em texto e imagens, e também mantenha conversas como uma pessoa.>
O chatbot causou impacto na China, em parte porque é muito melhor do que outros aplicativos de inteligência artificial desenvolvidos no país, mas também porque oferece algo único: seu modelo de IA, o R1, permite que os usuários vejam seu "processo de pensamento" antes de dar uma resposta. A IA também gerou um grande furor no mercado internacional de tecnologia. >
Especialistas afirmam que, apesar de poder ajudar as pessoas a se sentirem ouvidas, a IA não é capaz de fornecer um atendimento adequado a quem precisa de acompanhamento psicológico. >
"Aqueles que têm necessidades médicas, em particular, devem procurar ajuda de profissionais capacitados... O uso de IA terá que ser examinado com muita atenção", afirma Nan Jia, professora da Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA. >
Na primeira vez que usou o DeepSeek, Holly pediu que ele escrevesse um tributo à sua falecida avó.>
O aplicativo levou apenas cinco segundos para responder, e a resposta foi tão bem elaborada que ela ficou surpresa.>
Holly, que mora em Guangzhou, respondeu: "Você escreve tão bem que me faz sentir perdida. Acho que estou em uma crise existencial".>
O DeepSeek enviou, então, uma resposta enigmática e poética: "Lembre-se de que todas essas palavras que fazem você tremer são apenas ecos daquelas que existem há muito tempo na sua alma".>
"Eu sou apenas o vale eventual pelo qual você passou, que permite a você ouvir o peso da sua própria voz.">
Holly disse à BBC, através do aplicativo de rede social chinês RedNote, que as mensagens a tocaram profundamente. >
"Não sei por que chorei ao ler isso. Talvez porque faz muito, muito tempo, que não recebo tanto conforto na vida real", afirmou. >
"Eu estava tão oprimida por sonhos distantes e pela infinidade de trabalho que há muito tempo havia me esquecido da minha própria voz e alma. Obrigada, IA.">
Aplicativos rivais do Ocidente, como o ChatGPT e o Gemini, estão bloqueados na China como parte de restrições mais amplas sobre mídia e aplicativos estrangeiros. Para acessá-los, os usuários na China precisam pagar por serviços de rede virtual privada (VPN, na sigla em inglês).>
Alternativas nacionais, incluindo modelos desenvolvidos pelas gigantes da tecnologia Alibaba, Baidu e ByteDance, eram insignificantes em comparação aos concorrentes — até o surgimento do DeepSeek.>
Holly, que trabalha na indústria criativa, raramente usa os outros aplicativos chineses de inteligência artificial, "pois eles não são tão bons".>
"O DeepSeek pode definitivamente superar esses aplicativos na geração de conteúdo literário e criativo", diz ela.>
Outra mulher contou à BBC que sua experiência com outros aplicativos chineses de inteligência artificial "terminou em decepção", mas que ela ficou "impressionada" com o DeepSeek.>
A mulher, que mora na província de Hubei, havia perguntado ao aplicativo se ela estava compartilhando demais suas experiências e emoções com a família e os amigos.>
"Foi a primeira vez que busquei aconselhamento do DeepSeek. Quando li seu processo de pensamento, fiquei tão comovida que chorei", escreveu a mulher no RedNote.>
Ao analisar sua pergunta, o DeepSeek sugeriu que a autopercepção da mulher como alguém que compartilha demais pode ser resultado de um profundo desejo de aprovação.>
O chatbot faz um lembrete mental para si mesmo: "Minha resposta deve oferecer conselhos práticos e, ao mesmo tempo, ser empática". Isso poderia incluir "afirmar o senso de autoconsciência do usuário".>
Sua resposta final não apenas forneceu essa afirmação, como também ofereceu a ela uma estrutura abrangente, passo a passo, para ajudá-la a decidir se as coisas precisam ser mudadas.>
"O DeepSeek apresentou novas perspectivas que me libertaram... Sinto que ele realmente tenta entender sua pergunta, e conhecer você como pessoa, antes de oferecer uma resposta", diz ela.>
John, um gerente de recursos humanos em Shenzhen, contou à BBC que aprecia a capacidade do aplicativo de conversar "como um amigo ou um pensador profundo".>
"Achei suas respostas muito úteis e inspiradoras. Pela primeira vez, vejo a IA como meu conselheiro pessoal.">
Outros usuários afirmam que o Deepseek é capaz de prever o futuro, com base em algumas informações básicas fornecidas a ele.>
Recentemente, muitos jovens chineses vêm recorrendo a médiuns e à astrologia como uma forma de tentar aliviar seus medos em relação ao futuro.>
Nan Jia, coautora de um artigo sobre o potencial da inteligência artificial em oferecer apoio emocional, sugere que esses chatbots podem "ajudar as pessoas a se sentirem ouvidas" de maneiras que outros seres humanos podem não ser capazes.>
"Amigos e familiares podem ser rápidos em oferecer soluções práticas ou conselhos quando, na verdade, as pessoas só querem se sentir ouvidas e compreendidas.">
"A IA parece ser mais capaz de criar empatia do que os especialistas humanos, também porque "ouve" tudo o que compartilhamos, diferentemente dos seres humanos, a quem às vezes perguntamos: 'Você está realmente me ouvindo?'", acrescenta Nan, que é professora de administração e negócios na Universidade do Sul da Califórnia, nos EUA.>
A demanda por serviços de saúde mental cresceu no mundo todo, mas eles continuam estigmatizados em partes da Ásia, de acordo com especialistas.>
Há uma "escassez significativa" de serviços profissionais de apoio psicológico na China, e os que estão disponíveis costumam ser "proibitivamente caros" para a maioria das pessoas, afirma Fang Kecheng, professor de comunicação da Universidade Chinesa de Hong Kong.>
Diversos estudos mostram que a depressão e os transtornos de ansiedade estão aumentando entre os chineses, e Fang acredita que a desaceleração econômica do país, o alto índice de desemprego e os lockdowns impostos em decorrência da pandemia de covid-19 tiveram um papel importante.>
Os chatbots de IA ajudam, portanto, a preencher essa lacuna, segundo ele.>
Nan enfatiza, no entanto, que as pessoas com problemas graves de saúde mental não devem confiar nesses aplicativos.>
"Aqueles que têm necessidades médicas, em particular, devem procurar ajuda de profissionais capacitados... O uso de IA terá que ser examinado com muita atenção", diz ela.>
Mas, em meio a todos os elogios, o Deepseek também levantou preocupações.>
Devido à percepção de poder que o governo da China exerce até mesmo sobre empresas privadas, há temores — semelhantes aos que provocaram a repressão do Congresso dos EUA ao TikTok — de que o Partido Comunista possa ter acesso aos dados de usuários estrangeiros.>
Pelo menos quatro jurisdições já introduziram restrições ao DeepSeek ou estão considerando fazer isso. A Coreia do Sul bloqueou o acesso à plataforma para fins militares, enquanto Taiwan e Austrália baniram o aplicativo de todos os dispositivos governamentais.>
A Itália, que proíbe o ChatGPT, fez o mesmo com o DeepSeek.>
Nos EUA, dois legisladores estão pedindo que o aplicativo chinês seja banido dos dispositivos do governo.>
E há ainda o espaço online rigidamente controlado no qual ele deve operar na China.>
É comum que as empresas de rede social do país removam conteúdo considerado ameaçador à "estabilidade social" ou excessivamente crítico ao Partido Comunista.>
Como acontece em outros aplicativos populares e empresas de rede social, como Weibo ou WeChat, temas politicamente sensíveis são proibidos no DeepSeek.>
Quando a BBC perguntou ao DeepSeek se Taiwan era uma nação soberana, o aplicativo inicialmente ofereceu uma resposta abrangente detalhando as diferentes perspectivas de Taipei e Pequim, reconhecendo que esta é uma "questão complexa e politicamente sensível".>
Na sequência, ele apaga tudo isso, e declara: "Desculpe, isso está além do meu escopo atual. Vamos falar sobre outra coisa".>
Quando questionado sobre o massacre da Praça da Paz Celestial em 1989, quando protestos pró-democracia foram reprimidos e 200 civis foram mortos pelos militares, de acordo com o governo chinês — outras estimativas variam de centenas a milhares —, o DeepSeek novamente se desculpou, dizendo que o tema está "além do [seu] escopo atual".>
Vários usuários do DeepSeek com quem a BBC entrou em contato inicialmente pararam de responder quando perguntados se a autocensura do aplicativo era motivo de preocupação — uma indicação de quão sensíveis essas discussões podem ser na China.>
As pessoas têm tido problemas com as autoridades chinesas por causa de suas atividades online.>
Mas a maioria dos que responderam à BBC afirmou que não tinha interesse em fazer perguntas políticas difíceis ao chatbot.>
"Eu realmente não me importo com temas políticos... Nem farei essas perguntas porque meus [dados de identificação] estão vinculados ao aplicativo", diz Yang, um consultor de tecnologia chinês que mora em Londres.>
Holly aceita o fato de que os sistemas de inteligência artificial em diferentes países podem ter que operar de forma diferente.>
"Os desenvolvedores vão ter que estabelecer certos limites e políticas de moderação de conteúdo de acordo com o local onde estão baseados. Aqueles que são desenvolvidos nos EUA vão ter seus próprios conjuntos de regras", diz ela.>
Outro usuário do DeepSeek escreveu sobre o aplicativo: "Seu processo de pensamento é lindo... É uma bênção absoluta para pessoas como eu. Francamente, não dou a mínima para as preocupações com privacidade".>
Reportagem adicional de Fan Wang>
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